Dalva não é uma mulher de muitas vaidades. Só há pouco tempo, inclusive, passou a depilar as pernas e axilas. Trazia consigo a "noção" de que o corpo é um instrumento divino e não pode ser modificado na essência, exceto por um desígnio dos céus. Professora de matemática, 37 anos, buço evidente, pêlos bem negros e fartos nos braços, conserva o cabelo abaixo da cintura sempre preso num "rabo de cavalo".
Serena ao ponto de incomodar, não consegue disfarçar a alegria ao avistar César saindo do trabalho. Beijam-se com afeto, sem desejo sexual algum. Abraçam-se com a delicadeza típica dos que não têm pressa. O amor pode esperar. Falam trivialidades, relatam o cotidiano sem grandes arroubos até chegaram ao restaurante self service. Na fila, o excesso de carinho incomoda quem está ali apenas para comer sem muitas delongas. À mesa, parecem sair de um comercial de margarina. Pegam comida um do prato do outro, colocam na boca, sorriem, trocam selinhos. Juntam mão com mão e acertam o encontro para a noite.
A igreja é pomposa, daquelas que impõem respeito. Nada de santos, imagens. As paredes são de cor neutra e clara, os bancos de madeira maciça, discretos bandôs amarelo esmaecido com penduricalhos marrons. As mulheres cobrem a cabeça com véu, usam roupas sem decotes, braços encobertos por mangas sisudas, saias abaixo dos joelhos. Mulheres e homens sentam-se separados, já que na casa de Deus, não existe espaço para congraçamento além do espiritual.
A cerimônia daquele dia foi abençoada, fervorosa. A igreja inteira se "acendeu" com a "chama" do espírito santo. César foi ungido e recebeu o dom de novas línguas. Dalva, a postos diante do órgão eletrônico para dar o ritmo dos cânticos da irmandade, chorava de alegria e felicidade por Deus ter-lhe apresentado o homem, íntegro, trabalhador, fiel à igreja e temente ao Pai. Regozijo ela sentiu ao ouvir as solenes palavras de César: - você é a mulher que eu escolhi pra mim. Quer se casar comigo?
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