Dias após o rombo bilionário da Americanas vir à tona, muito se questiona sobre qual a relação dos bancos com uma das mais tradicionais redes varejistas do Brasil. A resposta, no entanto, pode revelar uma maneira pouco conhecida de conceder crédito a empresários que queiram investir em seus próprios negócios: a antecipação de recebíveis, que é prometida como uma solução para o CNPJ que queira ter crédito alto, em pouco tempo e com meses de prazo.
Depois do escândalo, há quem culpe o recurso finaceiro pelos mais de R$ 40 bilhões em dívidas da rede varejistas, porém, de acordo com o CEO da companhia de crédito londrinense Bankme, Thiago Eik, a modalidade é segura tanto para a empresa que pede o adiantamento, quanto para a instituição que concede.
"A antecipação de recebíveis, pura e simples, é você antecipar uma receita que você tem garantida no futuro. Na antecipação, a empresa vendeu, vai receber daqui 60 dias, mas já tem direito à receita. Então, ela vai até a instituição financeira e antecipa. Por exemplo, a empresa tem R$ 100 mil para receber daqui 60 dias. Então ela manda esse título aqui para a Bankme, que adianta R$ 95 mil e recebe os R$ 100 mil depois. Se daqui 60 dias o pagador dessa operação não pagar, a pessoa para quem eu antecipei os R$ 95 mil precisa pagar. Esse é o modelo de antecipação de recebíveis", explica Eik.
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De acordo com ele, a antecipação tem poucos riscos porque, diferentemente do empréstimo, a empresa, durante a transação, precisa comprovar que aquele dinheiro já está certo para ser recebido no futuro. No empréstimo tradicional, o solicitante apenas pede o valor, sem dar garantias materiais de devolução. Então, trata-se de uma operação mais rápida, barata e segura para quem concede o crédito, como explica o CEO a seguir.
"A gente [Bankme] vai puxar o contrato social, via alguns outros documentos, para avaliar o quanto de endividamento essa empresa tem, qual o faturamento dela, o fluxo de caixa... A gente vai analisar os sócios para ver se são pessoas idôneas, o tempo que a empresa está no mercado, para ver se é uma operação segura para colocar o capital ali e, dependendo da situação, por mais que seja uma empresa segura e tenha bons números, é solicitada uma garantia como uma forma de blindagem, caso, no processo normal, não seja pago, tem uma garantia ali, um imóvel, títulos para garantir..."
Outro benefício para o solicitante é a rapidez para receber o crédito e a ausência do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), agilizando e economizando no processo. Além disso, Eik explica que, dependendo da situação, o tempo para devolver a quantia pode chegar a quatro meses.
"O nosso prazo [para receber], hoje, está na média de 50 dias. Mas isso pode variar.
Normalmente, vai até um teto de 120 dias. Para aprovar um empréstimo são [necessários] 40, 50, 60 dias. A antecipação é uma operação
que você faz no mesmo dia. Essa é uma operação que não tem IOF. Todos esses
itens fazem que a taxa de juros, o custo do crédito, fique menor", diz o CEO.
Risco sacado e o rombo na Americanas
O risco sacado é uma modalidade do adiantamento de recebíveis que foi utilizada pela Americanas e é usada constantemente por diversas empresas. Thiago Eik exemplificou a operação que foi utilizada pela rede varejista e que acarretou, ainda sem explicações nítidas, no rombo bilionário nas receitas da empresa. Confira a seguir.
Uma empresa para vender tênis precisa de matéria-prima, como, por exemplo, o couro. Ela precisa pagar esse couro com 90 dias de prazo, mas o fornecedor precisa receber à vista. Aí a
instituição financeira entra no jogo, analisando o crédito da empresa e cedendo o dinheiro
para o fornecedor. Passados os 90 dias, a empresa paga o banco, mas com juros.
Seguindo o exemplo acima, se a ampresa pegou R$ 100 mil para pagar o fornecedor, ao final do prazo de 90 dias ela não devolverá o mesmo valor à instituição concedende de crédito, mas, sim, R$ 110 mil, montante acrescido de juros.
De acordo com o CEO da Bankme, o rombo foi descoberto "do nada" porque, nos registros, a empresa anotava somente o valor que devia aos fornecedores, "esquecendo" dos juros cobrados pelos bancos, chegando, depois de nove anos, ao montante de R$ 43 bilhões.
Sabendo do rombo, a Americanas pediu na Justiça uma RJ (Recuperação Judicial), que basicamente dá o direito à empresa de não quitar as suas dívidas por certo período. Eik explica a diferença entre uma RJ e uma declaração de falência e os seus impactos nas economias dos envolvidos.
"Quando vem uma RJ, fica suspenso o pagamento das dívidas. Depois, os bancos têm que aceitar a renegociação. A RJ é menos pior que um pedido de falência, porque se não é acatada uma RJ e vai para a falência, aí liquida-se o que tem na empresa e as dívidas bancárias entram, se não me engano, em terceiro nível. Primeiro vão entrar as trabalhistas, uma série de outras coisas que vão ser pagas antes e o que sobra vai para os bancos", inicia.
"O que os bancos estão tentando fazer é eles não serem obrigados a repassar as antecipações de cartão de crédito. Imagina que você comprou uma TV na Americanas. Aí os bancos têm que repassar a primeira parcela, a segunda parcela, a terceira parcela que você tem que pagar. Mas, agora, os bancos estão falando 'olha, não passo mais', para diminuir o impacto. Só que a Americanas está tentando barrar isso porque senão ela quebra", explica.
Thiago Eik encerra fazendo uma previsão pessimista da situação. Segundo ele, é quase impossível os bancos recuperarem tudo o que foi perdido durante o período de negociação com a rede varejista.
*Sob supervisão de Fernanda Circhia