Moradores do entorno da Concha Acústica, no Centro Histórico de Londrina, flagraram o momento em que pessoas em situação de rua incendiaram o que parece ser um colchão na Rua Senador Souza Naves. O registro ocorreu do alto de um dos prédios residenciais da região, no início da madrugada desta quarta-feira (22).
O incêndio do objeto não chegou a causar transtornos maiores e o Corpo de Bombeiros informou que não foi acionado para atender esta ocorrência. Entretanto, registra mais um incômodo que a aglomeração de pessoas em situação de rua nos arredores provoca para moradores e comerciantes, que reclamam de lixos deixadas em frente aos prédios, como restos de comida ou isopores de marmitex, e até excrementos humanos.
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O barulho de vozes e a ocorrência de pequenos furtos são outros problemas enfrentados por moradores, que pedem providências ao poder público para a retirada dessas pessoas das ruas. Porém, a secretária de Assistência Social de Londrina, Jacqueline Micale, afirma que, embora existam ações com profissionais da sua pasta e da Saúde, há situações que dificultam o encaminhamento desses indivíduos para a recuperação e promoção social.
Uma moradora de um dos prédios próximos à Concha Acústica reclama que “a perturbação [na região da Concha Acústica] é 24 horas”. “Fazem aqui mesmo o ‘número 1’, o ‘número 2’ (eufemismos para necessidades fisiológicas) e passam dia e todo gritando, tumultuando e deixando todo tipo de sujeira em nossas portas”, desabafa.
Ela também reclama do assistencialismo pontual de alguns voluntários. “As pessoas vêm aqui servir comida, fotografam seu trabalhos voluntários aos que estão à margem e dão as costas. Ficamos com isopores de marmitas jogados, restos de comida e até a cabine telefônica, hoje literária, é usada para as necessidades fisiológicas. Infelizmente”, reclama.
Ela recorda que, em outubro de 2022, em audiência pública com várias autoridades para tratar do assunto, a secretária de Assistência Social se comprometeu com várias ações para reduzir os transtornos, incluindo ordenar que os voluntários fixos sirvam marmitas em locais fixos. “Mas nada melhorou”, afirma a moradora.
Jacqueline Micale afirma que locais com alto fluxo de pessoas, como a Concha Acústica e o Bosque Central, assim como os chamados “mocós”, atraem moradores em situação de rua – que são aqueles que fazem da rua seu local de moradia – e pessoas em situação de rua temporária – indivíduos que, embora tenham residência de referência, usam a rua para ações como o consumo de drogas, por exemplo.
“Devido a essa dificuldade, não temos um número preciso de pessoas [em situação de rua na Concha Acústica], porque elas circulam, muito. E estes indivíduos que permanecem na Concha, no Bosque, no mocó, estão em uso abusivo de drogas. São pessoas identificadas e acompanhadas por nós [Secretaria Municipal de Assistência Social], que passam pelo Cento Pop, mas que resistem a um encaminhamento devido à vulnerabilidade pelo uso destas substâncias”, explica.
Trilha da cidadania
Londrina conta, atualmente, com três casa de passagens - duas para homens e uma para mulheres -,
cinco acolhimentos e sete repúblicas, mas todas têm vagas sobrando, apesar das abordagens diárias de assistentes sociais oferecendo uma alternativa para sair das ruas.
Isso ocorre, segundo a secretária, porque espaços como a Concha Acústica são caracterizados pela possibilidade de abuso de entorpecentes, pela presença do tráfico de drogas e pelos pequenos delitos que são alimentados pelo fato de haver receptadores. Além disso, a doação de esmolas e de alimentos também incentiva a permanência no local, já que soluciona as necessidades mais básicas dessas pessoas. “O perfil da pessoa em situação de rua também mudou. Há pessoas de diferentes origens e classes sociais. Dentro do mocó, temos dez pessoas que fazem aquele espaço de moradia, mas 80 que passam para compra e consumo de substâncias”, diz.
A abordagem assistencial é feita em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde porque, para retirar as pessoas das ruas, é necessário convencê-las a se livrarem das drogas. Este é o primeiro passo, já que, nos locais de acolhimento, o uso de substâncias não é permitido e o início do tratamento para desintoxicação e dependência é feito por profissionais da área de saúde.
No Centro Pop, que é para atendimento durante o dia, essas pessoas em vulnerabilidade social podem dar os primeiros passos em direção ao resgate da dignidade. Mas ela só é efetivada, de fato, percorrendo a “Trilha da Cidadania”.
O acolhimento começa nas casas de passagem, onde eles podem regularizar a documentação, iniciar tratamentos de saúde e descobrir se há retorno familiar. “Quem faz da rua seu espaço de moradia, chega na casa de passagem com dias sem tomar banho, alimentação errada e problemas de saúde”, diz Micale.
Após esta etapa, eles são encaminhados para os acolhimentos, locais onde permanecem por um tempo para resgatar a autonomia, desenvolvendo a organização pessoal. Depois disso, são encaminhados para as repúblicas moderadas, nas quais são responsáveis pelas roupas e pela alimentação e já com trabalho e/ou estudos retomados, nas quais a autonomia aumenta, mas ainda é supervisionada.
O passo seguinte é a república leve, na qual, embora haja uma supervisão, a pessoa já é responsável financeiramente pela moradia. “É uma trilha árdua a ser seguida. Não dá para imaginar que uma pessoa que está há 15 anos na rua vá se adaptar de imediato a essa rotina, que alguém que usa crack há anos vai largar a droga de um dia para outro”, diz a secretária.
Ela também ressalta que, se houve um colchão incendiado, significa que alguém doou o objeto para os moradores de rua. “É por isso que as pessoas que dão alimentação deveriam ir a um lugar específico. Não dá para apenas alimentar, tem de saber o motivo dele estar na rua”, explica a secretária, que afirma que a Prefeitura de Londrina planeja um local específico para doação de alimentos, com higiene e local apropriado para comer, evitando a dispensa em vias públicas.