Na semana em que a Justiça suspendeu pela segunda vez o julgamento dos acusados pelo feminicídio de Eduarda Shigematsu, assassinada aos 11 anos de idade em Rolândia (Região Metropolitana de Londrina), Néias - Observatório de Feminicídios de Londrina lança um Informe Especial que aborda o feminicídio de meninas.
Com a publicação, o Observatório se junta ao movimento 8M, que marca o 8 de março como dia internacional de luta pelo direito das mulheres. O Informe Especial pode ser acessado na íntegra.
O documento traz dados do Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídio da UEL) e uma análise aprofundada sobre o caso Eduarda, que não será mais julgado na região de Londrina a pedido da defesa.
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Esse é o segundo caso de feminicídio infantil acompanhado pelo coletivo. Em 2023, as ativistas produziram informe sobre o caso Sara, uma menina de 9 anos encontrada morta e com sinais de estupro em um matagal próximo à sua casa em Londrina.
FEMINICÍDIOS INFANTIS
No Brasil, de acordo com o Lesfem, houve 69 casos de feminicídios de meninas até 14 anos em 2023. Entre eles, treze foram tentados e 56 consumados. Ainda, os dados mostram que cinco feminicídios infantis foram registrados no Paraná (um deles tentado e quatro consumados).
Já em 2024, até 29 fevereiro, o Lesfem registrou 18 casos no Brasil (sete consumados e 11 tentados). No Paraná, no mesmo período, foram dois feminicídios tentados.
O CASO EDUARDA
Ricardo Seidi Shigematsu e sua mãe, Terezinha de Jesus Guinaia, serão levados a Júri Popular pela acusação do feminicídio da menina Eduarda Shigematsu, que tinha apenas 11 anos à época. O crime teria ocorrido em Rolândia, na residência onde todos viviam.
Conforme consta na denúncia, o réu teria asfixiado Eduarda, sua filha, em 24 de abril de 2019, com a intenção de causar a sua morte. Não há nos autos, entretanto, elementos que comprovem a motivação do acusado.
Após o assassinato de Eduarda, o pai teria levado seu corpo até os fundos de outro imóvel da família, onde o teria enterrado. Depois de todas as ações, ele teria narrado os fatos à sua mãe, a corré Terezinha, que ciente do ocorrido, teria auxiliado na ocultação do cadáver, além de apresentar falsa denúncia de desaparecimento da criança.
O MP (Ministério Público) apresentou denúncia contra os dois réus pelos seguintes crimes: feminicídio por asfixia, com recurso do impossibilitou a defesa da vítima, com violência doméstica e familiar, contra menor de 14 anos de idade, bem como ocultação de cadáver, falsidade ideológica, todos em concurso material de crimes.
O MP alega também que o crime foi premeditado, já que há relatos de que o acusado esteve no local onde enterrou o corpo da filha por dois dias, tendo sido escutado, inclusive, barulho de obras no local nessas ocasiões.
Consta também que ele teria desligado propositalmente as câmeras de segurança da casa onde a vítima foi morta, que faziam imagens internas e externas. Além disso, formatou os equipamentos quando os religou, para apagar as imagens gravadas.
Houve sentença de impronúncia total da ré Terezinha, mas o Ministério Público apresentou recurso ao Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná e pediu a sua pronúncia apenas por ocultação de cadáver e falsidade ideológica, o que foi aceito pelo TJ.
O julgamento, que estava previsto para ocorrer em 7 de março em Londrina, foi desaforado a pedido da defesa, sob alegação de que a grande comoção popular local poderia interferir no caso. Anteriormente, o julgamento marcado para ocorrer em Rolândia no ano passado também foi suspenso pelo mesmo motivo.
UMA HISTÓRIA DE ABANDONO
Consta no processo do caso Eduarda que o pai sempre rejeitou a menina e nunca construiu vínculo afetivo com a filha, que estava sob a guarda da avó paterna. Ela foi entregue aos cuidados e à guarda desta avó por ter sofrido maus tratos de ambos os genitores.
Há, inclusive, um registro de traumatismo craniano quando ela tinha três anos de idade, o que teria motivado a transferência da guarda para a avó.
Eduarda e Terezinha moravam em um sítio na região de Rolândia. Poucos meses antes do crime, após a morte do esposo da avó paterna, elas passaram a residir na edícula da casa do pai. Existem relatos de que a vítima era injuriada pela avó e que ela proferia ofensas misóginas contra a criança.
Dizia, ainda, que o filho a “ensinaria uma lição”, isso em razão das roupas que a criança vestia, que seriam inadequadas na visão da avó.
Há também denúncia de que a menina teria sofrido assédio sexual do falecido marido de Terezinha, fato que levou a criança a ser atendida pelo CAPS de Rolândia. Não houve, porém, a comprovação de tais fatos.
O que se extrai dos relatos é que a curta vida da criança foi perpetrada por diversas formas de violência. Eduarda, desde a mais tenra idade, suportou maus tratos daqueles que deveriam protegê-la.
Néias alerta, no Informe, que a análise do caso Eduarda é essencial para entender como a violência de gênero atravessa mulheres desde a mais tenra idade.
No processo, há informações de que a criança seria culpada pela avó por um assédio supostamente sofrido. Além disso, o depoimento de uma amiga de Eduarda revela que a menina era vista como a causadora de todos os males que a cercavam.
“A imposição de convivência de meninas e mulheres com parentes e genitores que claramente demonstram rejeição à sua existência é mais uma forma de violência que nos atravessa, podendo causar sequelas físicas e mentais”, expõe o Informe.