Aborto é um dos temas polêmicos mais discutidos atualmente no Brasil. Os argumentos, tanto das pessoas favoráveis como daquelas contrárias à legalização, são variados e refletem posicionamentos que oscilam entre o feminismo, a medicina, a religiosidade, a vulnerabilidade social, os comportamentos sexuais etc.
Para ajudar o leitor a formar ou a rever uma opinião própria, o Portal Bonde, nesta primeira edição da série Debates, encomendou dois textos sobre aborto. O primeiro é favorável à prática e é assinado pela médica Débora Anhaia de Campos. O segundo, contrário, é de autoria da psicoterapeuta Lívia Fortes.
Confira os dois textos abaixo e se permita refletir sobre o assunto.
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A favor da legalização do aborto
Na perspectiva de defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, legalizar o aborto é garantir direito pleno à vida e ao próprio corpo pelas mulheres e por outras pessoas que podem engravidar, como homens transgêneros.
Não existe método contraceptivo 100% eficaz. Mesmo a laqueadura e o DIU têm taxa de falha em torno de 0,5% ao ano. Já os anticoncepcionais orais e injetáveis têm taxa de falha de 5% ao ano e o preservativo masculino, entre 15% e 20% ao ano. Mesmo usando corretamente esses métodos, a mulher e seu parceiro podem engravidar.
Isso significa que a mulher não possui controle pleno sobre o planejamento reprodutivo, criando uma desigualdade de gênero, já que a responsabilidade pela gravidez e pela futura criança recai sobre a mulher, sendo seu corpo e sua vida modificados pela gestação.
Além disso, as mulheres já abortam independentemente de tempo histórico, cultura, religião, etnia, idade, relação estável, condição econômica e formação. Porém, as mulheres pobres, negras e adolescentes são as que mais morrem por procedimentos inseguros realizados por elas ou por clínicas clandestinas.
Muitas mulheres não conseguem também negociar com os parceiros o uso de preservativo. Muitas sofrem estupro conjugal ou são impedidas de usar pílula ou outro método, já que, ao terem vários filhos, são proibidas de trabalhar ou sair de casa.
No Brasil, uma em cada cinco mulheres já abortou ou vai abortar ao longo da vida. É impensável que elas sejam presas! O Estado, ao criminalizar a interrupção da gestação, impede-as de recorrer ao sistema de saúde e, por isso, acabam morrendo por causas obstétricas evitáveis.
Para mim, é antiética a ideia de que a vida da mulher vale menos do que a vida em potencial do embrião e é imoral impor crenças religiosas e manipular informações médicas para controlar o exercício pleno da sexualidade, da reprodução e do direito ao corpo pelas mulheres.
Entende-se na medicina que o fim da vida ocorre com o fim da atividade neuronal, logo, entendemos que a vida começa com o início da atividade neurológica organizada, após o primeiro trimestre da gestação. A idade gestacional para o aborto em outros países é limitada entre 12 e 14 semanas, pois há menos riscos para a mulher.
Legalizar o aborto é proporcionar às mulheres um atendimento digno. Nos locais onde é autorizado, houve até queda no número de abortos, uma vez que as mulheres são acolhidas e podem refletir sobre a decisão.
Autora: Débora Anhaia de Campos, médica da família e comunidade pelo Mais Médicos na UBS Maria Cecília. É militante feminista e LGBT, filiada ao PSOL e integrante da Rede Feminista de Saúde.
Contra a legalização do aborto
Num mundo de multiciplidade de ideias, costumes e tradições milenares, o direito à vida pode ser relativo. Em muitos países, esse direito nem sempre é respeitado, bem com a garantia de vida com dignidade. Quando o tema "aborto" vem à tona, nem sempre é simples opinar, por envolver aspectos sociais, emocionais, psicológicos e religiosos. Devido a isso, seja qual for a opinião, ela deve ser bem fundamentada. O meu posicionamento como psicoterapeuta é contra o aborto, pois toda pessoa tem direito à vida.
Para mim, a vida nasce a partir do momento da fecundação óvulo-espermatozoide. Ainda que seja "impalpável", ela começou ali. Logo nas primeiras semanas é possível ouvir os batimentos do coração do feto. Desde muito cedo, ele também pode ouvir sons, sentir gostos, criar memórias e até fazer movimentos. Dentro dessa análise, o aborto é simplesmente um ato que põe fim à vida.
Considerando que o bebê não pede para nascer, há de se reconhecer a enorme irresponsabilidade no descuido para se evitar uma gravidez, mas que deve ser assumida com responsabilidade. Diga-se, a mesma responsabilidade de um filho desejado. Caso haja motivos fortes emocionais, psicológicos e financeiros para não se cuidar da criança, há sempre casais desejosos pela adoção.
Sobre a gravidez, há muitas maneiras de evitá-la. Em tempos modernos, as informações são amplamente divulgadas e métodos anticoncepcionais são distribuídos gratuitamente pelo governo. Quanto à necessidade de continuarmos com as campanhas, isso é altamente necessário, especialmente por conta dos altos índices de gravidez na adolescência e entre a população menos favorecida. Crianças cuidando de crianças existem aos montes, ainda que pesquisas indiquem razões para que adolescentes queiram engravidar.
Quanto à tão propalada legalização do aborto, a mesma beneficiaria as classes mais baixas, pois são elas que mais sofrem atualmente com o aborto clandestino. Ocorre também que nas classes mais baixas é onde se encontram os maiores índices de gravidez indesejadas. Mas com educação de qualidade e assistência social haveria a possibilidade de diminuirmos os índices alarmantes registrados todos os anos.
Os abortos acontecem clandestinamente e com riscos enormes à saúde da mulher ou de adolescentes pobres que passam por gravidez indesejada. Por outro lado, as classes mais favorecidas, que realizam abortos nos dias atuais, contam com mais segurança, embora o crime seja o mesmo, na minha opinião como mulher e como profissional.
Autora: Lívia Fortes é psicoterapeuta.