Destaque da 27ª Mostra BR de Cinema, Encontros e Desencontros (Lost in Translation, EUA, 2003) é a sedimentação de Sofia Coppola como um dos nomes mais interessantes do novo cinema americano. Filha de Francis Ford Coppola, recebeu péssimas críticas por sua atuação na terceira parte de O Poderoso Chefão. Do outro lado da câmera, Sofia surgiu em 2000 com o excelente As Virgens Suicidas. O filme já mostrava a característica intimista da câmera de Sofia e era permeado por um certo humor amargo. Com Encontros e Desencontros, a diretora vai mais longe nesses elementos ao contar a história de amizade entre um ator decadente (Bill Murray) e a jovem esposa de um fotógrafo (Scarlett Johansson), ambos de passagem por Tóquio, mal adaptados ao fuso-horário e vivendo uma cultura que não entendem.
A tocante relação entre os dois evolui discretamente para um possível relacionamento amoroso. Mas o que faz de Encontros e Desencontros um filme diverso das dúzias de comédias românticas que Hollywood produz é a sua não opção pelas situações esquemáticas típicas do gênero. Sofia está mais interessada em seus personagens e no contraste de culturas. Faz isso de forma extremamente bela e delicada ao retratar uma Tóquio alienígena para nossos padrões culturais, um caldo que regurgita as informações ocidentais (leia-se americanas) em um resultado muito particular. É uma análise que se dá por conta de seqüências em que os personagens visitam casas noturnas japonesas ou por amostras da televisão local. Sofia faz um contraponto a isso em outras cenas, em que a personagem de Scarlett Johansson busca conforto em elementos mais tradicionais da cultura japonesa – templos budistas e artesanato típico, por exemplo.
Além disso, Encontros e Desencontros faz jus ao talento de Bill Murray, normalmente sub-aproveitado. Aqui ele tem um desempenho notável, calcado em suas expressões faciais, que vão da gaiatice (Murray é um dos tantos egressos do programa de tv Saturday Night Live, praticamente a maior academia de comediantes dos EUA) ao tédio. Johansson, cara nova (pode ser vista em O Encantador de Cavalos e, mais recentemente, no inédito por aqui Ghost World), tem uma belíssima atuação e mostra que é um nome a se prestar atenção.
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O filme foi, ao lado de Elefante, de Gus Van Sant, uma das sessões mais concorridas da Mostra. Tem estréia prevista para janeiro de 2004 e pode ser uma boa aposta para o próximo Oscar. Sofia Coppola merece. Com Encontros e Desencontros, prova ser talentosa sem ter que se sustentar no nome do pai.
Pequenas resenhas sobre outros filmes da Mostra de SP:
FUSO-HORÁRIO DO AMOR (Décalage Horaire, França/Inglaterra, 2003), de Danièle Thompson
Uma comédia romântica banal, mas que se deixa assistir sem maiores problemas. O problema é que tudo é muito esquemático e superficial. Repete os temas de Encontros e Desencontros, sem o mesmo brilho.
GERAÇÃO ROUBADA (Rabbit-proof Fence, Austrália, 2002), de Phillip Noyce
Filme incômodo, mesmo que um tanto panfletário. Toca em um assunto delicado - o recolhimento das crianças aborígenes pelo governo australiano, com a intenção de educá-las com a cultura ocidental cristã e assim eliminar a cultura "impura". É extremamente bem fotografado. E o Kenneth Brannagh continua um canastrão daqueles.
O ÚLTIMO CLIENTE (The Last Customer, Itália, 2002), de Nanni Moretti
Curta documental. Os últimos dias de uma tradicional farmácia de uma vizinhança novaiorquina. Moretti tem vocação para o melodrama, e aqui não é diferente - o que não desmerece o resultado. Acaba sendo um belo estudo sobre a perda.
JUSTIÇA (Justice, EUA, 2003), de Eric Oppenheimer
Muito fraco. Um escritor de histórias em quadrinhos cria um personagem com a intenção de retratar "o homem comum", logo após os atentados de 11 de setembro. Os atores são ruins, a direção é frouxa. Oppenheimer, aliás, estava presente na sessão. Deu vontade de pedir para ele duas horas da minha vida de volta.
O HOMEM-FORMIGA (The Antman, Alemanha/México, 2002), de Christoph Gampl
Trash assumido, trata-se de uma homenagem aos filmes B de monstros dos anos 50. É tosco, muito tosco. E muito divertido. Os nomes dos personagens entregam o espírito da coisa: "José de Alvarez" (o herói), "Bella Bonita" (a mocinha), "Loco Satano" (o vilão). Engraçadíssimo aquela gente falando alemão em um vilarejo do México.
O TOCHA HUMANA (França, 2002), de Ron Dyens
Curta francês. Um velhinho passa os dias lendo os gibis do Tocha Humana e resolve que quer ser o próprio. Veste as cuecas por cima das calças e sai por aí derretendo as coisas. É jóia. Os caras que fizeram o filme do Hulk deveriam assistir para ver como se faz uma boa adaptação de linguagem dos quadrinhos para o cinema.