Música pop

A vida começa aos dez anos

20 ago 2004 às 11:00

O ano de 1994 foi um dos mais empolgantes da história recente do pop no quesito lançamento de discos. Num intervalo de poucos meses, chegaram às lojas os fundamentais "Grace", de Jeff Buckley, o Álbum Azul do Weezer, "Ill Comunication", dos Beastie Boys, "Dummy", do Portishead, "Mellow Gold", de Beck, "Crooked Rain Crooked Rain", do Pavement, e "Bee Thousand", do Guided By Voices. Também foram lançados os superestimados "Definitely Maybe", do Oasis, "The Downward Spiral", do Nine Inch Nails e "The Holy Bible", dos Manic Street Preachers, que, bem ou mal, as bandas que os gravaram nunca conseguiram fazer melhor.

A importância para a história do rock do ano em que Kurt Cobain se matou pode ser sentida pelas várias edições especiais de dez anos de lançamento de alguns dos discos citados. "Weezer – Deluxe Edition" (Geffen – importado), que saiu em março, puxou a fila. As dez faixas do álbum original, conhecido como Álbum Azul, foram remasterizadas e são acompanhadas por um CD extra com 14 músicas, entre versões ao vivo, lados B e demos.


O disco em si e o seguinte, "Pinkerton" (1996), sedimentaram o Weezer como objeto de culto indie, graças às melodias perfeitas, às guitarras pesadas e às letras derrotadas do vocalista Rivers Cuomo. O CD 2, que seria o grande atrativo para os fãs, é decepcionante porque apenas compila faixas que já há anos eram conhecidas e circulavam em mp3s nos programas de compartilhamento de arquivos da rede. Mesmo assim, é difícil resistir: não dá para entender por que Cuomo não quis que canções perfeitas como "Susanne" e "Jamie" não fizessem parte do Álbum Azul. Outros destaques são as harmonias vocais de "My Evaline" e a demo "Paperface", que mostra a faceta ruidosa e punk dos primeiros passos da banda.


Punk é um dos poucos adjetivos que não podem ser dados à música do cantor norte-americano Jeff Buckley. Em sua curta e brilhante carreira, ele condensou em seu repertório nuances de hard rock, soul, jazz, blues, psicodelia, folk e até música religiosa. No início da próxima semana, chega às lojas dos Estados Unidos e do Reino Unido "Grace – Legacy Edition" (Sony – importado), edição comemorativa de dez anos de lançamento do único álbum de Buckley. O pacote traz três discos: o primeiro é o álbum original, o segundo é uma coletânea com sobras de estúdio, demos e versões ao vivo, e o terceiro é um DVD, que traz todos os vídeos promocionais de "Grace", entrevistas e imagens das sessões de gravação.


Com seu estilo megalomaníaco, exagerado e melancólico, Buckley foi influência decisiva para diversas bandas do rock inglês, como Radiohead, Coldplay e Starsailor. Se "Grace" vai do rock pauleira ("Eternal Life") e do soul dilacerado ("Lover, You Should’ve Come Over") até a melancolia do blues ("Lilac Wine", de J. Shelton) e do folk ("Hallelujah", de Leonard Cohen), o segundo CD também exala ecletismo.


A balada "Forget Her", há muito conhecida dos fãs, afoga a dor de uma desilusão amorosa num soul de refrão desesperado. As outras faixas do disco são em sua maioria versões, de nomes tão variados quanto Nina Simone ("The Other Woman"), Big Star ("Kanga-Roo"), Screamin’ Jay Hawkins ("Alligator Wine"), Bob Dylan ("Mama You Been On My Mind"), Hank Williams ("Lost Highway") e MC5 ("Kick Out The Jams"). Dez anos após seu lançamento, "Grace" não envelheceu uma nota. É um disco cuja mística se alimenta além de suas qualidades musicais, visto que Buckley não conseguiu finalizar o álbum sucessor: o cantor morreu em 1997, afogado no rio Wolf, em Memphis.


Outra edição comemorativa que está na boca do forno é o DVD "Definitely Maybe" (Sony), que será lançado no Reino Unido em 6 de setembro. O pacote compila as faixas do disco original e "Sad Song", música que constava apenas da versão em vinil do álbum, mais quatro horas de imagens, com clipes, documentário sobre as gravações, apresentações em shows e em programas de televisão. O fã fiel não pode nem sonhar em deixar de comprar.


Já quem não é lá muito conhecedor não deve se importar tanto: o álbum de estréia do Oasis, eleito recentemente o melhor disco britânico de todos os tempos pela revista inglesa Q (calma, tente controlar as risadas), é um retrato de uma era de muita pose e pouca criatividade do rock na terra da rainha, o chamado britpop. Tirando as faixas "Supersonic" e "Live Forever", "Definitely Maybe" soa oxidado. As referências obsessivas aos Beatles, os vocais sem nenhuma sutileza de Liam Gallagher, os solos iguais de Noel Gallagher, as letras que não querem dizer absolutamente nada – tudo é sintomático de uma época vazia que então se prenunciava e que o rock viveu intensamente a partir do ano seguinte até "Ok Computer" (1997) salvar a lavoura. Não foi à toa que, depois do lançamento da obra-prima do Radiohead, os Gallagher se metamorfosearam de um dia para o outro de astros fulgurantes em tiozinhos ultrapassados.


A edição comemorativa seguinte será o CD duplo "Crooked Rain, Crooked Rain Deluxe", do finado Pavement, que a Matador Records coloca nas lojas norte-americanas em 26 de outubro. A gravadora promete um pacote generoso na linha da reedição do álbum de estréia do grupo, "Slanted And Enchanted" (1992), lançada há dois anos. Ou seja, além da obrigatória remasterização do disco original (o segundo da banda), "Deluxe" incluirá lados B, apresentações em programas de rádio e várias sobras de estúdio – anunciadas pela Matador como "o grande álbum perdido do Pavement".


No final do ano passado, o ex-guitarrista do grupo, Scott Kannberg (atualmente na banda Preston School Of Industry), comentou que os arquivos do Pavement continham horas e horas de gravações de 1994, como as inéditas "Tartar Martyr" e "Candylad", além de diversas versões preliminares de músicas que só apareceriam no disco seguinte, "Wowee Zowee" (1995). Num patamar de qualidade próximo a "Slanted...", "Crooked Rain" foi o primeiro disco do Pavement gravado num estúdio profissional e até hoje é o álbum mais popular da banda, graças aos hits indies "Cut Your Hair" e "Gold Soundz", que fizeram com que o grupo alcançasse os melhores postos de sua carreira na parada da Billboard.


Dentre os outros discos citados no primeiro parágrafo deste texto, Beck disponibilizou em seu site (www.beck.com) um especial sobre os dez anos de lançamento de "Mellow Gold", seu clássico primeiro álbum por uma grande gravadora, e o semanário britânico New Musical Express noticiou que os Manic Street Preachers estariam aprontando uma edição comemorativa de "The Holy Bible". Ufa! É bom programar suas despesas...


ERRATA

Na coluna sobre o "Acústico MTV" do Ira!, o trecho que fala sobre a versão de "Por Amor" dá a impressão de que apenas Zé Rodrix compôs a canção. Mas a co-autoria é de Reynaldo Bessa.


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