Uma criança de seis anos de idade diagnosticada com diabetes conquistou na Justiça o direito de acompanhamento de um PA (profissional de apoio) para frequentar a escola em Curitiba.
A criança foi diagnosticada, em outubro de 2022, com diabetes mellitus tipo 1, após apresentar um episódio de cetoacidose diabética com internação em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo).
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Desde o diagnóstico a criança faz uso de bomba infusora e insumos para monitoração e aplicação de insulina, que fazem o controle da glicemia. Caso este controle não seja feito, a doença pode levar a complicações graves como cegueira, perda da função dos rins, amputação de membros e até a morte.
Nesta condição, a criança precisa de acompanhamento 24 horas por dia, especialmente em relação à bomba infusora, um dispositivo eletrônico que monitora o índice glicêmico no sangue e sinaliza episódios de hiper e hipoglicemia. O aparelho necessita de calibração de duas a três vezes por dia e seu manuseio é bastante complexo para uma criança de seis anos, que ainda não é alfabetizada.
Durante o ano de 2023, quando a criança ainda tinha cinco anos, ela frequentou um CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) da CIC (Cidade Industrial de Curitiba). No local, as professoras e a diretora eram orientadas sobre a condição de saúde dela e sobre os cuidados necessários para sua proteção.
Em sala de aula, uma professora e uma professora auxiliar monitoravam o aparelho e o mesmo acontecia nos intervalos e idas ao banheiro. Sempre que ela ingeria alimentos, a diretora do CMEI registrava no aparelho as quantidades de carboidratos consumidos, que precisam ser matematicamente calculadas para que o aparelho faça o ajuste correto das doses de insulina que precisam ser aplicadas na criança.
Mas, em dezembro de 2023, quando a mãe realizou a matrícula da criança para o 1º ano do ensino fundamental em uma escola no mesmo bairro, foi informada de que ela frequentaria uma sala com cerca de 35 a 40 alunos, com várias professoras, uma para cada disciplina, e não seria possível destinar uma profissional para acompanhá-la.
“Fui orientada pela escola a procurar o Núcleo de Inclusão das Crianças com Deficiência do CIC do DIAEE [Departamento de Inclusão e Atendimento Educacional Especializado, da Prefeitura de Curitiba], e lá fui informada de que meu filho não teria direito ao PA, pois a diabetes, por lei, não é deficiência, apenas uma doença e doença não dá direito ao PA”, relata a mãe da criança, a profissional autônoma Renata Binati Tucunduva Ferreira, de 42 anos.
“Ficaram de avaliar se poderiam compartilhar um PA de outra criança com deficiência, mas deixaram claro que não seria do meu filho. Se a outra criança saísse da escola, ele ficaria sem o acompanhamento”.
A mãe procurou também o Conselho Tutelar da CIC, que fez o pedido à Secretaria de Educação, mas, segundo a mãe, até hoje não obteve resposta. No Conselho Tutelar, ela foi orientada a procurar a Defensoria Pública. Ela, então, buscou atendimento da sede descentralizada da DPE-PR (Defensoria pública do estado do Paraná) que atende a CIC, onde recebeu as primeiras orientações da assessora jurídica Ana Beatriz Dividino Leal.
De acordo com a assessora, a Defensoria ingressou com o pedido de profissional de apoio baseado em dois princípios. Um deles, o de que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), define pessoa com deficiência como “aquela que possui um impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
“No nosso pedido, também pontuamos que o Poder Público possui a obrigação constitucional de assegurar a proteção de crianças e garantir o acesso e permanência em instituição de ensino e que há previsão de disponibilização de profissionais de apoio para crianças e adolescentes que precisam, devendo ser avaliado em cada caso concreto”, explica a assessora jurídica. Um outro argumento ainda foi utilizado: de que já está em tramitação na esfera federal um projeto de lei (PL 2687/2022) que busca a classificação da diabetes como uma deficiência.
No dia 06 de março, a Justiça acolheu o pedido da Defensoria, destacando que a educação é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e em outras leis, de forma que, se a Administração Pública não efetivar este direito, é possível buscar o Poder Judiciário para protegê-lo. Pela decisão liminar, o Município de Curitiba deverá indicar um profissional de apoio para a criança durante o todo o período escolar.
“Esse caso em específico diverge de outros que foram acompanhados pela Defensoria na CIC, pois, como regra, pedimos profissional de apoio em casos de crianças atípicas”, avalia a defensora pública responsável pela ação, Luciana Bueno.
“Mas o profissional de apoio está ali justamente para assegurar o direito à educação às crianças que delenecessitam, e, portanto, deve ser designado todas as vezes que o acesso a esse direito estiver em risco, como é o caso dessa criança, que precisa de alguém que garanta que sua alimentação e o manuseio de seu aparelho de insulina sejam feitos corretamente durante o período que estiver na escola”.
DIABETES
Segundo dados recentes do Instituto Diabetes Brasil, 588 mil pessoas têm diagnóstico de diabetes no Brasil. Porém, por se tratar de uma doença silenciosa, estima-se que o número de pessoas sem diagnóstico corresponde à metade do número de pacientes conhecidos.
Desde outubro de 2022 – coincidentemente, o mesmo mês em que o filho de Renata recebeu o diagnóstico –, o Projeto de Lei 2.687/2022 busca dar classificação de deficiência para a diabetes mellitus tipo 1, de modo que pacientes com este diagnóstico tenham todos os direitos garantidos às pessoas com deficiência no país, o que já ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e Alemanha. Há pouco mais de um mês, no início de fevereiro, o PL chegou à Comissão de Assuntos Sociais do Senado para apreciação.
DESCOBRIMENTO DA DOENÇA
"Em outubro de 2022, na semana do dia das crianças. Ele começou a beber muita água e fazer muito xixi, mas muito mesmo, bebia uns cinco copos de água de uma vez. Então, eu o levei ao pediatra só para perguntar se era normal. Na hora, o pediatra disse que era diabetes. Fomos medir a glicemia e o aparelho nem mediu, de tão alta que estava. Na mesma hora, fomos encaminhados direto para o hospital Pequeno Príncipe [referência no atendimento infantil na capital paranaense] com uma carta que dizia que meu filho estava em cetoacidose [uma grave complicação da diabetes, que pode levar à morte do paciente]." Diz Renata mãe da criança.
"Chegamos ao Pequeno Príncipe e nem passamos por avaliação, ele foi direto pra UTI e ficamos lá por três dias, mais dois no quarto. Quase perdemos ele e nem sabíamos que ele tinha diabetes. De uma consulta de rotina fomos para a UTI. De lá pra cá nossa vida é controlar absolutamente tudo 24 horas por dia. Imagina a minha situação e a de muitas outras mães."