Para comemorar 20 anos de trajetória, a banda Nenhum de Nós lançou, em outubro, o álbum "Nenhum de Nós A Céu Aberto". Completando a comemoração do grupo gaúcho, chega às lojas na segunda quinzena de novembro o DVD de mesmo nome, que reúne grandes sucessos da banda registrados ao vivo. O baterista Sady Homrich comenta sobre o lançamento.
A escolha de repertório deste álbum ao vivo está mais focada em canções dos últimos trabalhos. Como foi o processo de seleção?
Quando nos reunimos para avaliar quais as músicas mais significativas nestes 20 anos de carreira, queríamos premiar os fãs com clássicos e também trazer lados B à tona. Aí entrou a figura do produtor Paul Ralphes, um galês que não conhecia a nossa fase de sucessos, portanto ele não tinha nenhuma contaminação com o nosso trabalho neste período. Ele escolheu as músicas que mais gostou, mesmo elas não tendo projeção. Foi um olhar de fora. Isso foi bom, afinal os nossos álbuns pela BMG já foram privilegiados no primeiro acústico. Aliás, fomos pioneiros do acústico no Brasil. Gravamos nosso primeiro em 1994, quando o formato ainda não era muito explorado pelo mercado. Mas ainda faltava pra gente um disco ao vivo, com guitarra e bateria de mão solta.
Nos últimos anos muita gente fora de Porto Alegre acabou pensando que o grupo acabou por não aparecer na mídia nacional. Comente um pouco sobre a regionalização do trabalho da banda
Desde os anos 80, a história do jabá não nos agradava. As rádios tocavam sucessos sem segmentação. Em Porto Alegre temos três emissoras segmentadas no rock, pois o mercado ficou forte por aqui. E continuamos fazendo turnês nacionais, pois temos muitos fãs pelo Brasil afora.
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Qual a conexão da faixa de trabalho "Santa Felicidade" com o bairro curitibano de mesmo nome?
É uma música que tem mensagem otimista, algo difícil nos dias de hoje. A gente queria trazer isto para a nossa dialética. O Nenhum de Nós tem essa característica nas letras: poesia sem palavras de ordem. Foi uma música para buscar momentos felizes. E leva também o nome de um bairro curitibano que sempre despertou a nossa atenção.
Há outra faixa inédita, "Desejo". Há planos para ela?
Ela tem levada mais pulsante. Dentro de um repertório de clássicos, pusemos esta inédita, para ser trabalhada mais adiante.
Muito se discute sobre as possíveis interpretações da letra de "Camila, Camila". Qual o real significado?
Fala sobre violência contra a mulher. É um tema pouco explorado na música brasileira. Certa vez, em um programa de TV, o assunto estava sendo debatido e foi citada a música "Camila, Camila". Ficamos contentes e surpresos, até porque nem todo mundo sacou a mensagem da letra. A inspiração veio de um casal amigo nosso daquela época. Apesar de ser de nível universitário, o cara era um grosso, agressivo com a parceira. Nós ficávamos indignados. Isso gerou estrofes como "Depois da última noite de chuva, chorando e esperando amanhecer", que era sobre o cara que saía na noite, chegava de manhã e deixava a mulher sozinha esperando. "Da vergonha do espelho naquelas marcas" falava da violência sofrida pela garota. Era um tema improvável, mas que fez a música ficar conhecida. Cazuza deu o aval dele e fez uma regravação, que acabou saindo num disco póstumo, com participação especial da Sandra de Sá.
E a Camila da música? Vocês ainda têm contato com ela?
A Camila se casou com outro cara e hoje tem dois filhos. O curioso é que ela nunca deu retorno pra gente, nunca perguntou se a música era sobre ela, até porque nunca fomos amigos próximos.
Como foi a repercussão do último álbum de estúdio, "Pequeno Universo"?
Foi um álbum que trouxe claramente o momento pelo qual estávamos passando. Ele teve uma turnê de mais de cem shows, que misturou gerações e serviu de base para a turnê do novo álbum, é um segmento. Ficamos satisfeito no tratamento sonoro, e também no tratamento gráfico, que foi feito pelo artista plástico argentino Alejandro Ros.
Você citou a mistura de gerações nos últimos shows. Fale mais a respeito.
Nos últimos anos, constatamos que pais e filhos estão indo juntos aos nossos shows. Os mais velhos vem para relembrar, e os mais novos para conhecer as nossas músicas. Isso acontece porque o pessoal quer algo além da identificação de tribo, quer individualidade. Nós sempre tivemos um lado poético e tentamos falar para indivíduos, e não para tribos. A gente prefere que as pessoas se encontrem no Nenhum de Nós, e não o contrário.
Como estão as conexões do Nenhum de Nós com o mercado latino?
Isto é algo que está presente na banda desde a década de 90. Já trabalhamos com os argentinos Fito Paez, Charly Garcia e Luiz Spinetta. A primeira apresentação do projeto "A Céu Aberto" foi em Montevidéu no Uruguai. É um somatório de fatores. O fato de morar em Porto Alegre nos deixa bastante próximos destes países, sem contar que gostamos do rock latino, o que só ajuda. Agora essa interação está começando a tomar mais corpo. Não dá pra ser um Paralamas do Sucesso, mas fazemos a nossa conexão com os latinos.
Quando a nova turnê passa pelo Paraná?
Estamos negociando. Provavelmente será em no começo de 2008, em Curitiba. Nos últimos anos, tocamos com freqüência no Teatro da Reitoria da UFPR. É um espaço ideal para a gente. Gostamos de fazer várias datas em um teatro de médio porte, ao invés de fazer uma data só num local grande.
Seu Jorge regravou "O Astronauta de Mármore" para o filme "A Vida Marinha com Steve Zissou". Qual a repercussão que isso trouxe para o Nenhum de Nós?
Durante a produção do filme, ele apresentou para a equipe uma interpretação dele da música. O pessoal gostou e pediu para ele fazer mais versões de David Bowie em português. Para nós não houve repercussão, pois não fomos creditados no disco com a trilha sonora que saiu pela Hollywood Records. O engraçado é que em 1989 a imprensa malhou a gente dizendo que "cometemos uma aversão ao David Bowie", mas agora o pessoal acha legal a versão do Seu Jorge. É engraçado. Mas nós não temos traumas de nenhum episódio envolvendo "O Astronauta de Mármore". Até porque a opinião das pessoas sobre esta música não é uma unanimidade.
Gostaria que você comentasse sobre o álbum "Onde Você Estava em 93?", que foi lançado sete anos depois de sua gravação.
Nessa época a gravadora estava se desmantelando. Nosso contrato com eles estava acabando e eles nem deram bola pro fato do videoclipe de "Ao Meu Redor" ter representado o Brasil no VMA’s da MTV nos Estados Unidos (na época nem tinha a versão brasileira, o VMB). Nesta ocasião a gente voltou de Los Angeles influenciados por guitarras do rock daquela época (o grunge). Fizemos um novo álbum influenciado por aquele som, mas a gravadora não entendeu nada, só depois o grunge chegou com força ao Brasil. Isso fez a gente dar uma parada, voltar atrás, buscamos o lado oposto e gravamos de forma independente um acústico no Teatro São Paulo. Esse projeto a gravadora gostou e topou lançar, até porque ainda restava um álbum para cumprir o contrato.
O que você anda escutando de música atual?
Eu estou ouvindo muito o novo do Foo Fighters, "Echoes, Silence, Patience & Grace" e o trabalho da Ana Prada, uma cantora do uruguaia. Ela é prima do Jorge Drexler, que ficou conhecido pela trilha sonora do filme "Diários de Motocicleta". Entre os artistas de Porto Alegre, eu gosto dessa nova geração. Bandas como Cachorro Grande, Os Cartolas, Fresno e o Sombrero Luminoso.