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O violão, a humildade e o preciosismo de Guinga

Patrícia Souza
15 ago 2001 às 19:07

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Na semana passada esteve em Londrina, participando do 21º Festival de Música de Londrina, um dos mais importantes compositores da música popular brasileira. Guinga, ou como poucos conhecem, Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar, teve a oportunidade de mostrar para os londrinenses o porquê deste seu reconhecimento.

Cantor, compositor, dentista, criador de melodias repletas de lirismo, violonista e outras coisas mais, Guinga cresceu no subúrbio carioca entre seresteiros e músicos de rua. Na década de 70 iniciou sua carreira artística, mas o reconhecimento mesmo só veio em 1991, quando, com mais de 40 anos, gravou seu primeiro CD, "Simples e Absurdo".

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Foi o suficiente para que a crítica e a mídia o descobrissem e começassem a compará-lo com Villa Lobos e Tom Jobim. Isso porque Guinga criou um padrão estético sem se preocupar com sua aceitação imediata. Além disso, obrigou os ouvidos de público e crítica a se habituarem com harmonias e melodias que atingem um nível de resolução inédito na MPB.
Desde o primeiro disco, Guinga lançou mais quatro CDs: "Delírio Carioca", "Cheio de Dedos", "Cine Leopoldina" e "Cine Baronesa". Em entrevista exclusiva, Guinga conversou com o Bonde e falou um pouco sobre violão, seus parceiros e de como encara este seu reconhecimento.

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Você começou sua carreira na década de 70, mas só foi descoberto há dez anos. A que você atribui este fato?

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Guinga: Desde quando comecei minha carreira de músico, nunca parei de compor. O que acontecia é que eu não atuava no palco. Como sou dentista, trabalhava na minha clínica uma média de 14 horas por dia, tinha um movimento muito grande e ganhava bem. Estava formando uma família, uma vida e tinha muito medo de deixar o que eu já tinha conquistado, me dedicar à música e passar necessidade. E eu achava também que pelo fato de Deus ter me dado talento, o reconhecimento viria só pelo fato de eu ter esse dom. Mas não é assim. Você tem que construir sua carreira, independente de talento. Correr atrás de trabalho e oferecê-lo às pessoas. E eu achava isso vergonhoso, tinha certos pudores e amadorismo. Não me comportava profissionalmente, achava que ser profissional era tocar e compor bem. Mas não é isso, ser profissional é se colocar profissionalmente; procurar um local adequado para se apresentar, gravar discos. Não adianta só ter discos gravados por compositores. Se você é um compositor que tem o seu disco, a sua projeção é maior. E foi isso que aconteceu.


Você é comparado com Villa Lobos e Tom Jobim pela crítica. O que você acha disso?

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Guinga: Eu não me sinto assim, tão genial. Isso porque a partir do momento em que você se sente assim, já começou a andar para trás. Considero uma falta de humildade. Eu tenho a consciência de que Deus me deu um talento, um dom, mas é fundamental exercitar a humildade, a justiça e a caridade, que são os valores básicos para o crescimento humano. Se você não tem humildade e não pratica a caridade e a justiça, você ainda não andou e não pode evoluir. Eu não quero me ver como um gênio de forma nenhuma. Quero trabalhar, e quando falam isso de mim fico muito orgulhoso e vaidoso, mas imediatamente eu fecho meus ouvidos e me recolho na humildade e vou trabalhar e suar a camisa para construir uma obra e deixar com que o julgamento fique para as pessoas.


Qual é a sua formação musical?

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Guinga: Minha formação é basicamente de intuição e informal, de rua, de ver os músicos tocarem, de ver serestas e de ouvir os discos e rádio. Essa é a formação básica da minha vida. Quando eu me tornei músico profissional, eu tive que estudar um pouco de teoria para poder me submeter à prova da Ordem dos Músicos do Brasil. Aí, precisei fazer um curso e fiz um ano com o maestro Guerra Peixe. Mas nada disso ficou para que eu compusesse, foi mais por consciência. Fiz a prova da Ordem, passei e trabalhei como músico profissional por alguns anos. Só voltei a estudar depois de casado, com o professor Jodacil Damasceno, que investiu no meu lado de compositor. Percebeu que o meu negócio era compor e me instigava para que eu evoluísse. Essa convivência que eu tive com este professor foi de uma importância fundamental. Ele me deu uma visão que me fez varar 180º na música. Hoje continuo aprendendo, observando os outros músicos. Eu olho outra pessoa tocando e vejo como funciona a composição do violão de uma outra forma.


O cotidiano do Rio de Janeiro está muito presente na sua música...

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Guinga: A minha música tem dois lados; um que é mais espiritualizado, ligado à ancestralidade e ao caminho do homem. É um lado meio religioso e fico feliz de passar as coisas mais espirituais na minha música. E tem o outro lado, que é mais ligado com a terra, com o Brasil em si. E aí entra o Rio de Janeiro. Isso porque eu sou uma pessoa que a adora e conhece profundamente a alma da minha cidade. Conheço os caminhos e os buracos do asfalto do Rio. Caminho a cidade praticamente de ponta a ponta todos os dias. Fui criado no subúrbio, com 20 anos saí de lá, fui para a Tijuca e de lá para a Zona Sul. Sinto-me carioca de todas as cores. E isso está presente na minha obra.


Como é o trabalho com seus parceiros?

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Guinga: Com os meus parceiros eu sempre faço as músicas na frente e passo para que eles façam a letra. E tenho alguns parceiros fixos. Minha obra está dividida entre Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc. Até 86 minha parceria foi com o Paulo, daí em diante comecei a trabalhar com o Aldir, que deu uma mudança na minha vida e foi fundamental para o meu reconhecimento na mídia.


O violão na música brasileira é muito significativo, não é?

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Guinga: Quando se fala em violão, há dois locais em que se toca este instrumento com preciosismo: no Brasil e na Espanha. Eu, particularmente considero o violão espanhol como sendo o mais completo do mundo. Mas a escola brasileira não deve nada à escola flamenca. Desenvolvemos um violão de corda solta e com um dado a mais que eles não têm, que é a harmonia do violão brasileiro, que é a mais perfeita do mundo. Ela é a mais profunda e rebuscada. Eu digo que o Brasil é o número um, é autoridade em harmonia no violão. E isso não é xenofobia, é fato. Os violões tocados no resto do mundo não têm a abrangência e o universo que tem o violão da Espanha e do Brasil.


O que você achou da sua apresentação em Londrina?

Guinga: Foi muito emocionante. No palco eu senti uma emanação muito grande. Quando a gente está lá em cima, capta tudo o que acontece. Você funciona como um espelho. Se a platéia se emociona, esta emoção bate e volta para você. E quando acontece isso é muito comovente. Foi tocante.


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