Apesar de estar em uma grande gravadora, a banda Skank ainda guarda um pouco do espírito do início de sua carreira, quando trabalhava em esquema independente. Antes mesmo da Sony Music contratá-los, o grupo já tinha vendido um bom número de CDs (um formato que na época, 1992, ainda não havia se popularizado). O grupo colocava-os à venda em lojas e providenciava seus próprios shows. Apesar de não fazer mais isso, o Skank jamais esquece as dificuldades desta época, procurando dar incentivo a bandas novas.
Uma forma de ajudar é convidando-as para abrirem seus shows. Pato Fu, Maskavo Roots e Jota Quest foram alguma delas. No ano passado, quem acompanhou o Skank por uma turnê de Norte a Sul do Brasil (via Festival Skol Rock) foi o Tianastácia, que assim como eles, originou-se na capital mineira de Belo Horizonte.
Visto que muitos artistas da capital mineira começaram a despontar na mídia depois do sucesso do Skank, procuramos saber do vocalista e porta-voz da banda, Samuel Rosa, o que é necessário para uma cena local acontecer. Alguns de seus depoimentos podem ser úteis para a cena musical curitibana, que ainda não tem artistas de projeção nacional. Mas há chances disto acontecer. Afinal, existem alguns pontos semelhantes entre Belo Horizonte pré-Skank e a Curitiba de hoje.
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Bonde: Apesar de ser hoje uma grande banda de gravadora, o Skank passou por um período independente no início da carreira. A filosofia do independente continua influenciando a banda?
Samuel Rosa: A gente continua acreditando na nossa própria intuição. Certamente porque tivemos uma fase independente "bem sucedida" (aspas do próprio Samuel). A gente ficava sem dinheiro pra mandar para os veículos de mídia, gastava uma grana em sedex, ia vender o disco nas lojas. Passamos por todas as barreiras de uma banda independente. Muito do que aprendemos naquela época, a gente traz até hoje. Eu acho que a filosofia do Skank não mudou muito.
Bonde: Em suas turnês, os shows de abertura normalmentes são feitos por bandas novas. Comente sobre isso.
Samuel Rosa: Estar em contato com essas bandas é super importante para nós. Não é porque as bandas iniciantes vão aprender com a gente. Há uma troca. A gente aprende com eles, muitas vezes até mais do que eles com a gente.
Bonde: Independente disso, seria uma forma de um grupo iniciante ter o aval do Skank, que é uma banda consolidada na música brasileira?
Samuel Rosa: De certa forma. No tempo que éramos independentes, mesmo quando já tínhamos gravadora mas eramos anônimos, a gente sentia o quanto era importante esse aval que uma banda já com nome pode dar para uma banda nova. Mas não é só endossar uma banda. É propiciar a ela a oportunidade de estar tocando um som como o que agente toca hoje, com uma estrutura de palco legal e um bom público. Foi assim com o Pato Fu, Jota Quest, Makavo Roots, Professor Antena, Penélope e no ano passado com o Tianastácia. Acho que uma mão estendida neste momento é uma coisa muito valiosa que a gente também já teve.
Bonde: Dá pra dizer que o Skank descobre novas bandas?
Samuel Rosa: Não. A gente não tem essa pertenção de nos dizermos "descobridores". Quando o Pato Fu abriu o show do Skank, e ainda era uma banda anônima, a gente estava simplesmente fazendo uma coisa natural para um grupo que é amigo. Não acredito que tenha sido isso que tenha levado o Pato Fu a uma gravadora. Só o simples fato de ter participado da história do Pato Fu, ou do Jota Quest, ou do Maskavo, já é importante pra gente. Não temos a pretensão de dizer que a nossa participação foi determinante. Esta história de apadrinhamento é na verdade estar testemunhando algo que está acontecendo. Se a banda é talentosa, é natural que mais cedo ou mais tarde ela apareça, seja abrindo pro Skank ou pra qualquer outra banda.
Bonde: Depois que o Skank se projetou nacionalmente, mais bandas de Belo Horizonte se destacaram, como Pato Fu e Jota Quest. Fale um pouco desta abertura de portas para a cena de BH.
Samuel Rosa: Particularmente, fico feliz que outros grupos tenham saído de BH depois do Skank, até pra não acontecer algo de que a Tropicália é alvo de crítica, que é você se destacar e não acontecer o mesmo com o cara que tocava com você, os seus antigos parceiros. Isso gera um mal estar de relacionamento. Ninguém vai poder dizer em BH que o Skank foi uma árvore que frutificou sobre outros e fez um terreno estéril ao seu redor. Desse tipo de acusação a gente não sofre. Esse é um ponto do qual eu me sinto orgulhoso. O mais curioso é que não tem muita coisa a ver entre o nosso som e o destas bandas. Cada um faz um trabalho, muitas vezes quase oposto ao do Skank.
Bonde: Antes disso, como estava a cena por lá?
Samuel Rosa: Antes existia muito preconceito, principalmente nos anos 80, uma época em que nenhuma banda se consagrou em BH. Havia, sim, grandes bandas com trabalhos interessantes, como o Sexplícito e até mesmo o Sepultura, embora eles sejam de outro segmento e a gente esteja falando de uma coisa mais ampla. Existia esse estigma de que a música mineira era só o Clube da Esquina (Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, entre outros) e hoje já não é mais assim. Já existe uma imagem mais hibrída da música mineira, e não só aquela coisa da tradição. No mapa musical de Minas Gerais já se incorporam várias outras informações. Acho que o nosso papel foi bom para as pessoas olharem mais para a cena musical belo-horizontina
Bonde: Mesmo assim, ainda há em BH alguma resistência contra a nova música local?
Samuel Rosa: Mesmo com a cena belo-horizontina tendo melhorado, ainda tem muita gente reclamando que não acontece nada no cenário musical de lá. Gente reclamando sempre vai ter. Mas esse pessoal chorão de hoje é formado por gente nova, que não viveu a época das trevas, que foram os anos 80.
Bonde: Quais os fatores determinantes para fazer uma cena acontecer?
Samuel Rosa: Para uma cena acontecer é fundamental a cumplicidade do público local, das rádios, dos jornais. Nos anos 80, em BH, tinha-se o péssimo hábito de ficar o tempo todo reverenciando o Clube da Esquina. Eu e o Henrique (tecladista) fazíamos parte de uma outra banda na época, o Pouso Alto. Era uma das poucas bandas que tocavam em rádio, faziam shows e tinham público, por menor que fosse. Lembro de uma vez quando fomos tocar em um festival de um jornal de Belo Horizonte, com 14 bis e Lô Borges. A importância que deram pra gente foi nenhuma, parecia que estavam fazendo um favor em deixar a gente tocar. Como se não fosse quase que uma obrigação do próprio jornal promover o que estava acontecendo no cenário musical dali.
Bonde: Como o Pouso Alto sobreviveu neste "período de trevas"?
Samuel Rosa: A gente meio que funcionava como uma pequena gravadora. Junto com o Fernando, nosso empresário, tínhamos um bom relacionamento com o pessoal de rádio e dos jornais. Quando lançamos o primeiro álbum, o disco não caiu de pára-quedas na mesa dessas pessoas. Todo mundo já conhecia, já tinha ouvido falar da gente. Com esta pequena estratégia de marketing, conseguimos romper um mito de que em BH santo de casa não faz milagre. Eu me lembro de ter dito numa entrevista na época que o problema não era a resistência do público mineiro, mas sim as novidades, que não estavam suficientemente interessantes ou não estavam chegando até eles.
Bonde: Quando o reconhecimento chegou, foram sentidas mudanças na cena belo-horizontina?
Samuel Rosa: Na época que começamos a fazer sucesso lá, a garotada que até então achava tudo em BH careta - as músicas, as rádios, a cidade - começava a sentir orgulho da sua terra. Começou a surgir um movimento de renovação em todos os sentidos. Apareceram jornais especializados em música. E o principal: uma maior valorização da cultura local, com o povo passando a sentir orgulho do que é da sua cidade, desde os times de futebol até os artistas.