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Entrevista com especialista

Convivendo com a Tourette: conheça a síndrome que faz com que pessoas ajam involuntariamente

Bruno Souza - Estagiário*
14 abr 2023 às 19:00

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- Freepik
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Gritos, palavrões, gestos obscenos, golpes no que estiver mais próximo e até mesmo em si próprio. Essas são algumas das ações involuntárias praticadas por pessoas com a síndrome de Tourette, que, de acordo com a médica psiquiatra Ana Gabriela Hounie, atinge cerca de 1% da população mundial.


A doença pouco pesquisada e conhecida no país apresenta os primeiros sintomas ainda na infância, podendo, inclusive, ser notada em bebês com meses de vida.


"Os sintomas sempre são tiques motores ou vocais e é a presença desses tiques crônicos que caracteriza a síndrome. São tiques por, pelo menos, um ano. Ou seja, se o paciente tem tiques por apenas um mês, e eles desaparecem, não é Tourette", explica.

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Ana Hounie é uma das poucas pesquisadoras do assunto dentro do Brasil. Segundo ela, não existem, atualmente, muitas opções para aqueles que desenvolvem a doença.

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"Existem pouquíssimas pessoas que entendem de Tourette no país. Fora eu, que me dedico a isso há 25 anos, existem mais dois ou três profissionais no Brasil que têm uma boa experiência com essa síndrome. A especialização na Tourette é uma coisa que não existe. O que existe é especialista em psiquiatria e, dentro da psiquiatria, tem subáreas de atuação. [A especialização] vai depender do médico se dedicar a isso", diz.

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No entanto, as pessoas com Tourette podem conseguir tratamento no SUS (Sistema Único de Saúde) por meio de psiquiatras, mesmo que eles não sejam estudiosos da doença.


"Na prática, é muito difícil encontrar um tratamento adequado fora da rede terciária [hospitais universitários e de pesquisa médica]. O paciente conseguindo atendimento na rede [pública], a gente tem medicações no SUS que servem para a síndrome de Tourette, mas é de acesso limitado. Elas são poucas e, muitas vezes, insuficientes, aí o paciente precisa comprar a medicação", conclui Hounie

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Tourette na mídia


Nos últimos meses, diversos casos de famosos com a síndrome de Tourette passaram a circular na mídia. Em um show, o cantor escocês dono dos hits "Someone You Loved" e "Before You Go" apresentou os tiques característicos da doença enquanto cantava, recebendo apoio da plateia. A partir das filmagens, a internet passou a buscar mais informações sobre a síndrome, que também atinge a cantora Billie Eilish e o lutador e ex-BBB Antônio Cara de Sapato. Durante um Jogo da Discórdia em fevereiro deste ano, o lutador começou a ter tiques. Ele mexia o ombro freneticamente e tinha espasmos no rosto enquanto participava da dinâmica. 

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Outro caso que chamou a atenção dos internautas foram os vídeos da criadora de conteúdo digital Juliana Portugal, que grava diariamente a sua rotina com os tiques causados pela Tourette. Ela se filma ao jogar videogame, ao se maquiar e até mesmo fazendo compras no mercado, sempre demonstrando como é viver com a síndrome. Confira abaixo um dos vídeos.



'A maldição de Tourette'


Maldição. É com esta palavra que Giba Carvalheira define a síndrome de Tourette em seu livro. Vindo de uma família displiscente, o jornalista e escritor recifense desenvolveu diversos problemas físicos e psiquiátricos por causa das palavras e movimentos involuntários, que só foram descobertos como Tourette quando ele tinha 26 anos.

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"Os tiques chegaram quando eu tinha quatro anos de idade. Os colegas não percebiam, mas, na terceira série, a professora se irritava com os meus tiques. Eu estalava a língua, balançava a cabeça e piscava o olho naquela época. Ela me prometia um chocolate se eu ficasse quieto. Aí todo mundo ficava: 'professora, Giba balançou a cabeça', 'professora, Giba estalou a língua', 'professora, Giba piscou o olho'... Ela pedia para os meus coleguinhas me vigiarem. Essa mesma professora, irritada, jogou um giz no meu olho, que me machucou. Nesse tempo, no fim dos anos 1970, não existia a palavra bullying", relembra.


Carvalheira conta que a prática de artes maciais o ajudou a aguentar o preconceito e a sobreviver às críticas que recebeu durante toda a sua infância. Segundo ele, as pessoas se referiam a ele somente por apelidos maldosos, o que lhe gerou marcas presentes até hoje.

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"Meu apelido na infância era doido. 'Vamos para casa de doido', 'doido, você vai para a festa hoje?', todo mundo só me chamava de doido! Na adolescência, começaram a aparecer os tiques vocálicos. Aí comecei a receber o apelido de gago, gagueira... Comecei a ser taxado como uma má influência na família. Eu penso até que, se fosse em tempos de inquisição, eu seria queimado, com certeza", lamenta o jornalista.


Vindo de uma família abastada, Giba diz que culpa os seus pais pelo diagnóstico tardio da doença. "Meu pai e minha mãe viajaram o mundo todo. Tiveram muito dinheiro para viajar. Com 20 anos de idade eu fui para os EUA morar com um imigrante, lavando carro em uma concessionária. Aí eu me pergunto: por que, aos 20 anos de idade, meus pais não me levaram para Boston (EUA) para ver qual problema era aquele que eu tinha? Eu contorcia a face toda, falava palavrões, falava feito um bode, feito um pato, cuspia, latia...", desabafa.


Sem apoio da família, o escritor conseguiu alcançar o sonho de cursar Jornalismo em uma universidade. Ainda sofrendo preconceito dentro do ambiente universitário, Giba diz que somente nessa etapa de sua vida, aos 26 anos de idade, ele conseguiu descobrir o que tinha. A partir daí, ele passou por especialistas e teve acompanhamento com remédios, o que controlou os seus tiques quase que completamente.


Entre problemas com alcoolismo e drogas, o jornalista conta que a síndrome foi a responsável pelo desenvolvimento de diversos problemas como depressão, ansiedade e TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Ele também afirma que, em 52 anos de vida, o preconceito o impediu que ele tivesse empregos formais.


"Eu nunca tive carteira assinada. A minha equipe sempre fui eu. Eu sempre tive que fazer as minhas coisas sozinho. Aí, diante da impossibilidade de conseguir empregos, eu disse: 'sozinho eu faço melhor'. Comecei a escrever livros. Hoje tenho sete títulos, inclusive traduzidos para o espanhol e italiano", diz.


Dois livros, dos sete escritos por Carvalheira, são destinados à síndrome de Tourette. São eles: "A Maldição de Tourette", autobiografia que conta a vida do autor dos quatro aos 33 anos, e "Gilles", que é baseado no bullying sofrido pelo autor na infância. 



Rede de ajuda


A falta de informações e de profissionais especialistas no assunto fizeram com que redes de apoio paralelas fossem criadas nas redes sociais. Alexandro Cardoso, que tem Tourette desde os sete anos, criou um grupo de apoio que espalha diariamente informações sobre a síndrome. No Facebook, a Fraternidade Comunitária Tourettes Brasil Total conta com cerca de 1,2 mil membros.


"A ideia surgiu com a necessidade de falar sobre o tema. Também com a percepção que muitas crianças e jovens estão desassistidos. Estou me colocando à disposição das escolas também para palestras. Recebo mensagens todos os dias. A fraternidade tem grupos de partilhas, incluindo grupo para jovens", diz o administrador da ação voluntária.


Cardoso ainda atua dando dicas às pessoas que o procuram, explanando maneiras de superar certas dificuldades físicas, trocando experiências e indicando profissionais.

 

"Oriento com relação ao jeito e formas de aceitação da dificuldade. Há motivação para superar e aconselhamento sobre alguma dificuldade específica da pessoa. Nos grupos tem várias famílias que também trocam experiências de superação. Algumas pessoas pedem sugestão de especialista, outros de psicólogo. Só não dou sugestão de tratamento. Isso é para o médico. Cada nova ideia pode ser luz para quem ainda não encontrou a aceitação que precisa. Acredito muito que o testemunho convence para melhorar a condição emocional do quadro", encerra Cardoso.


*Sob supervisão de Fernanda Circhia, editora

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