No consultório médico, as duas senhoras que estão mais para os oitenta do que para os setenta aguardam a consulta com o cardiologista.
A secretária diz que o doutor ligou avisando.
- Teve uma intercorrência no hospital onde ele dá plantão como intensivista. O doutor vai atrasar. As consultas das oito devem ser atendidas só depois das nove.
Uma velhinha de vestido florido é invocada e reclama em voz alta.
- Intercorrência, intensivista. Agora relaxo e pouco caso com a cara da gente ganhou esses nomes difíceis aí.
A outra é mais moderna. Usa uma calça destas de ginástica, mas não agarrada. A blusa tem um filhote de cachorro como estampa. Tem as unhas pintadas com esmalte vermelho. Porém, não deixa por menos.
- Médico sempre atrasa, sempre. A única exceção era o doutor Astolfo. Aquele sim era bom. Sabia atender a gente.
As duas estavam cada qual em uma ponta do sofá, mas pedem licença para um rapaz que estava ao lado da senhora de vestido e desandam a conversar. A de esmalte vermelho fala primeiro.
- A senhora não conheceu o doutor Astolfo?
- Não era aquele um irmão do doutor Lindolfo?
- Esse!
- Então conheci, uma doçura. Mas o Lindolfo também era bom.
- Sei não. Fui uma vez no Lindolfo, pedir segunda opinião para confirmar um diagnóstico do Astolfo. Ele teve a pachorra de falar que o irmão receitou a dose errada. Absurdo. Saí do consultório e bati a porta na cara dele.
- Ora, mas você pediu segunda opinião pra que então?
- Para confirmar a primeira e não para "desconfirmar."
- Entendi. Médico é tudo assim. Cada um diz uma coisa. Se a gente dá ouvidos, fica doida.
- Eu que sei. Já passei por quase todos desta clínica.
A sala de espera vai ficando cada vez mais cheia. E as velhinhas falam alto, pois já não escutam muito bem. Além disso, competem com o Louro José e com a Ana Maria Braga. A TV está ligada num volume considerável.
Chega moça grávida, de barrigão de oito meses. Vai consultar com o ginecologista/obstetra que atende na mesma clínica.
As velhinhas se interessam. A de vestido florido é a que fala primeiro.
- Hum, que lindo. Vai ser menino ou menina?
A moça não parece ser de muita conversa. Responde com uma palavra.
- Menina.
No entanto, as velhinhas são de muita conversa. A de calça de ginástica pede mais informações.
- Quem é seu médico?
- Doutor Pedro.
- Huummmm. Não é grande coisa.
A moça grávida faz cara de tensa. Responde irritada.
- Como assim, não é grande coisa? Ele é bom médico, sim.
A velhinha de vestido florido tenta remediar, entrando na conversa.
- Vai ser normal ou cesárea?
- Cesárea.
- Ah, esta juventude. São tudo mole. Tive seis, todos de parto normal.
A moça grávida não aguenta e sai da sala de espera, vai para o corredor. As velhinhas voltam a conversar entre elas. A de calça, blusa com cachorrinho e unhas vermelhas ficou ofendida.
- Que grossa. Precisava sair assim da sala? Só porque falamos umas verdades.
- Pois é. E este médico que não chega. Um folgado.
Elas passam a criticar o cabelo da Ana Maria Braga, a cor verde do Louro José, os gays da novela das nove, os óculos de aros grandes usados pela secretária. O médico finalmente chega. A senhora de vestido florido é a primeira a ser chamada.
Quando sai da sala, a outra quer saber o que o médico receitou.
- Estes comprimidos aqui para controlar a pressão, a minha tá alta – ela diz, mostrando a receita que não tem mais garranchos; sai digitada, o médico só assina.
- Porcaria esse remédio aí. Não vai resolver. Melhor você tomar chá de arnica. É tiro e queda para a pressão. A Dolores, minha vizinha, tomou arnica e sarou da pressão alta em dois dias.
- Pois é isso mesmo que eu vou fazer!
- Ah, estes médicos de hoje. Que saudade do doutor Astolfo.
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Aviso que, ainda nesta semana, haverá estreia no blog. Começarei a publicar perfis e matérias, conforme prometido no início do É Crônica!
Agradeço a todos os amigos pela audiência.