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Gervásio, um mecanógrafo

15 jan 2014 às 10:16

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Na Dom Camilo, oficina que conserta máquinas de escrever há 59 anos, computadores não entram.

Perfil – Gervásio Falconeri Gonzales

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Na garagem de uma casa assobradada, na esquina da Espírito Santo com a São Paulo, bem no Centro de Londrina, trabalham quatro homens.

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A tal garagem é a sede da Dom Camilo – Casa das Máquinas de Escrever Ltda. Uma oficina dedicada a consertos e também ao comércio de Olivettis, Remingtons e outras.

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"Na verdade, consertamos tudo que se usa dentro de um escritório, menos computador", explica Gervásio Falconeri Gonzales, 78, um paraguaio – porém, brasileiro naturalizado, conforme faz questão de dizer – que é o dono da firma.


Gervásio é um senhor simpático, apreciador de tereré, com um leve sotaque castelhano que ele ainda não perdeu por completo, apesar de estar no Brasil desde 1952. Gosta de dar entrevistas. Fala, com certo orgulho, que não há estudante de Jornalismo que não passe por ali durante os quatro anos de curso. "Os professores mandam fazer uma matéria diferente e eles vêm entrevistar o homem que ainda trabalha com máquinas de escrever."

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Nascido numa cidade chamada Areguá, ele começou a trabalhar nesse ramo em um dos acasos da vida. Adolescente, era encarregado de fazer a limpeza de uma escola de datilografia, em Assunção, a capital do Paraguai, da qual Areguá está a 30 km.


Apareceu por lá um argentino, mecânico de primeira de máquinas de escrever. Ernesto Griguis fora responsável pela manutenção dos equipamentos do Banco do Brasil e tomara o rumo do Paraguai depois de o pessoal do banco se recusar a pagar mais por seus préstimos.

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"Ele conseguiu emprego na escola onde eu fazia a limpeza. Logo me chamou para ajudá-lo na oficina no horário de almoço, que é longo por lá, do meio-dia às três da tarde. Eu lavava as peças das máquinas. Ia aprendendo. Quando vi, aos dezessete, estava vindo com ele trabalhar no Brasil. O contrato com o banco estava refeito", rememora. Mudar de país era também mudar de vida. Órfão de pai e mãe desde os onze, o rapaz tinha de trabalhar para sobreviver.


Gervásio andou por aí, de agência em agência, ajudando o argentino. Em 1955 surgiu a oportunidade de morar em Londrina. Fincar raízes. Topou.

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Abriu oficina na Rua João Cândido, em sociedade com o irmão Uipiano, sujeito bacana, porém tímido, calado, avesso a entrevistas. Gervásio conta: "Já havia três ou quatro oficinas em Londrina. Meu irmão ficava fazendo os consertos. Eu, por ser mais comunicativo, saía distribuindo cartões. Para ganhar mercado, trabalhávamos até anoitecer."


Pouco tempo depois, Uipiano saiu da sociedade para abrir outra oficina e Gervásio continuou tocando a Dom Camilo. A Londrina dos anos 1950 tinha muito a oferecer. "Não fiquei rico porque sou gastador. Os terrenos eram baratos naquele tempo. A cada dois meses eu ganhava o suficiente para comprar um. Mas como sempre gostei de um churrasco, não era de poupar."

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Quando a firma já estava forte, mudou para o Centro Comercial, onde funcionaria por quarenta anos até chegar, há dois anos e meio, ao endereço atual.


Para se destacar no mercado, era preciso um diferencial, propaganda além dos cartões de visitas entregues de mão em mão. Nos anos 1960, Gervásio procurou o fundador da Folha de Londrina, João Milanez. Ofereceu a ele conserto gratuito das máquinas da empresa em troca de anúncio no jornal.

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"O Milanez topou. Nem fizemos contrato. Ele me trazia as Olivettis Lexington 80 para reparos. O nome, endereço e telefone da Dom Camilo eram estampados na Folha. Um sucesso!"


Máquinas de escrever estavam em todos os lugares. "Um advogado que não tivesse uma da IBM não era advogado".


Mas os computadores foram chegando sorrateiramente, sobretudo no final dos anos 1980, início dos 1990. Ocupando uma escrivaninha aqui, outra ali. E as máquinas de escrever indo para escanteio, as escolas de datilografia fechando as portas, Milanez vendendo a Gervásio as máquinas da redação da Folha, que seria informatizada.


"Ah, senti demais quando percebi que a coisa era tão séria. Eu nunca imaginei que o computador fosse entrar forte como entrou." Ficou com todas as máquinas do jornal, exceto aquelas que alguns jornalistas compraram para levar de lembrança para casa.


No entanto, a Dom Camilo sobreviveu aos computadores sem se render a eles. "Aqui eles não entram. Meus funcionários até os consertam, mas fora daqui e do horário de expediente", Gervásio fica sério para dizer. Por que isso? "Esse negócio de consertar computador tem muito picareta", responde, dando a entender que o assunto está encerrado.


Os computadores parecem mesmo não fazer falta na oficina. Durante todo o tempo da entrevista os fieis escudeiros-funcionários Elói e Lorival, além de Uipiano, que voltou a oferecer seus dons de mecânico no período vespertino na Dom Camilo, trabalharam sem parar. Há muito o que se consertar, sobretudo as calculadoras eletrônicas. São chinesas e quebram barbaridade.


Já passava das cinco da tarde quando uma senhora entrou para saber se eles poderiam indicar quem arruma uma escova elétrica de cabelo. Nosso entrevistado não se fez de rogado. "Indico a gente mesmo". A mulher deixou a escova defeituosa para pegar, funcionando de novo, no dia seguinte.


Gervásio gosta de ser chamado de mecânico de máquinas, mas diz que se define como mecanógrafo, embora ele mesmo saliente que os dicionários definem mecanógrafo como "pessoa que tem o ofício de escrever à máquina, datilógrafo", conforme diz o dicionário Santillana.


"Sei disso, mas digo que sou mecanógrafo", comenta enquanto datilografa, utilizando uma máquina que está arrumando, a palavra "inconstitucionalissimamente". Por que esse palavrão aí, seu Gervásio? "Faço isso com todas que arrumo. Essa é uma palavra grande, com todas as vogais. Se sair alinhadinha no papel é porque a máquina ficou perfeita."


Vendendo e consertando máquinas de escrever, deixando de lado os computadores, a Dom Camilo completa no mês que vem 59 anos de atividades. Em 2015, serão 60. "Há outras empresas na cidade atuando no mesmo ramo. Mas creio sermos os mais antigos em atividade."


Máquinas de escrever são vendidas por preços que variam de R$ 100 a R$ 350. Sim, há quem as compre. "É gente de escritório. Elas ainda são utilizadas. Ontem mesmo vendi uma."


E se você ficou curioso para saber da onde surgiu o nome da empresa de Gervásio, aí vai uma pista: Camillo Olivetti, um italiano, é o fundador da fábrica de máquinas de escrever considerada por muitos como a primeira a produzir em escala, em 1908.

Assim é Gervásio Falconeri Gonzales, torcedor do Londrina Esporte Clube e de qualquer time que conte com um paraguaio no elenco, marido da dona Nair, pai orgulhoso de três filhos e avô coruja de cinco netos, um mecanógrafo.


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