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Tragédia

Entenda a relação das mudanças climáticas com o desastre no Rio Grande do Sul

Jéssica Maes - Folhapress
08 mai 2024 às 11:15
- José Fernando Ogura/Arquivo AEN
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"Todo filme de desastre começa com cientista sendo ignorado", diz o meme recorrente na internet a cada nova tragédia climática. O exemplo, baseado em produções de Hollywood, pode parecer hiperbólico, mas é compatível com a falta de preparação que governos têm demonstrado para lidar com eventos climáticos extremos.

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O caso das tempestades que devastam o Rio Grande do Sul não é diferente. Projeções elaboradas há anos previam exatamente um aumento das chuvas extremas e inundações na região com o avanço do aquecimento global –e, mesmo assim, a chegada de tanta água pegou o estado despreparado.

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"Para a ciência, isso não é nenhuma novidade", afirma o físico Paulo Artaxo, membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU, e pesquisador da USP.


"Há mais de 20 anos, todos os modelos climáticos mostram que, com o aumento da temperatura global, vai aumentar a quantidade de chuvas e secas muito intensas, ou seja, o clima vai ficar mais extremo. O relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas que fizemos há oito anos já previa chuvas mais extremas no Sul e secas na amazônia", diz ele.

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O planeta já aqueceu quase 1,3°C em relação ao período anterior à Revolução Industrial (1850-1900) –a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris é limitar o aquecimento global a 1,5°C. Com isso, as chuvas intensas já estão mais fortes e frequentes no Brasil, segundo relatório de 2021 do IPCC, a maior referência científica em clima do mundo.


Chuvas extremas, que aconteciam, em média, uma vez a cada dez anos em um clima sem influência humana, agora provavelmente ocorrem 1,3 vez nesse mesmo período. Caso as emissões de gases de efeito estufa pelas atividades humanas continuem crescendo e a temperatura global aumente 4°C, o índice poderá chegar a 2,7 vezes. No patamar atual de emissões, o mundo está na rota para aquecer de 2,4°C a 2,6°C.

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"Em um cenário de aquecimento global, as previsões futuras para a região Sul são de aumento de 10% a 20% da chuva anual. Em praticamente todo o resto do Brasil –no Sudeste, Centro-Oeste, na amazônia e em grande parte do Nordeste– a previsão é de diminuição da chuva", diz o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia.


Um planeta mais quente reflete em mais concentração de chuvas e de secas extremas. Oceanos mais quentes geram mais evaporação de água, provocando mais chuva. E uma atmosfera mais quente consegue reter mais vapor d'água, sem que ele se condense -o que faz com que a umidade fique concentrada e ocasione eventos climáticos extremos.

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"Numa atmosfera super carregada de vapor d'água, quando há as condições termodinâmicas para que essa carga se condense, toda essa carga adicional cai junta como chuva, aumentando a taxa de precipitação dramaticamente", explica Artaxo.


"Se você tem a combinação dos dois, atmosfera e oceanos mais quentes, a quantidade de umidade que está retida no ar é muito maior. Inclusive essa relação temperatura-umidade não é linear, é exponencial, o que significa que, incremento relativamente pequeno de temperatura provoca um incremento muito maior na quantidade de vapor", complementa o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

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Desde o ano passado, os oceanos vêm batendo recordes mensais de calor, o que se acentuou em 2024. Em fevereiro, o observatório climático europeu Copernicus mostrou que a temperatura média da superfície marinha foi a mais alta já registrada na história, chegando a 21,06°C.


O recorde anterior era de 20,98°C, registrado em agosto de 2023 –ano que ficou marcado como o mais quente dos últimos 125 mil.

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"No começo de 2023, as previsões não indicavam que todos os recordes [de calor] seriam quebrados, muito menos que os oceanos bateriam recordes. Agora, mesmo com a chegada do [fenômeno climático] La Niña, estima-se que 2024 vai ser tão quente quanto o ano passado", aponta Nobre. "E, como o calor continua alto nos oceanos, devemos esperar que os eventos extremos continuem muito fortes, o que é uma enorme preocupação."


O calor extremo no mar é influenciado pelo El Niño, fenômeno que é caracterizado pelo aquecimento excessivo do Pacífico na região da linha do Equador e, no Brasil, causa mais chuvas no Sul e mais seca no Norte e Nordeste.


O El Niño, porém, já passou do seu pico e está enfraquecendo, o que gera dúvidas sobre a sua influência nas chuvas no desastre do Rio Grande do Sul.


"O vento na atmosfera durante anos do El Niño tem um certo comportamento, e esse comportamento já não está presente. Então, tecnicamente, nós estamos em um fenômeno de El Niño, porque a temperatura do mar está ainda acima do [limite de] 0,5°C [mais quente], mas a atmosfera parece que já esqueceu o El Niño", diz Seluchi.


A massa de alta pressão atmosférica que está provocando o calor excessivo no Sudeste impede a passagem de frentes frias que vêm do Sul e da umidade que vem da amazônia, fazendo com que a chuva se concentre sobre a região.


O coordenador do Cemaden diz acreditar que, sem estudos específicos da chamada atribuição climática (ramo da ciência que pesquisa como acontecimentos têm relação ou não com o aquecimento global), não se pode afirmar categoricamente que o evento extremo em curso no Rio Grande do Sul só foi causado devido à crise do clima. No entanto, também ressalta que o cenário atual é condizente com as previsões.


"Este extremo se insere num cenário esperado decorrente das mudanças climáticas", resume. "Nós tivemos aquele episódio do rio Taquari [em setembro de 2023] e agora este outro evento, em menos de um ano. É realmente uma alta frequência de extremos climáticos."


Para Artaxo, o clima global já entrou em um novo patamar e, por isso, vemos secas, ondas de calor, chuvas e nevascas mais frequentes e mais intensas do que tínhamos até muito recentemente. E, sem cortes drásticos nas emissões de carbono, o cenário só vai piorar, frisa.


"Todo mundo fica abestalhado quando metade de um estado brasileiro fica sob a água, mas isso vai se repetir e vai se repetir de forma mais intensa", afirma.


"Então precisamos fazer duas coisas: cortar emissões e aumentar muito fortemente o orçamento das defesas civis, multiplicando o orçamento desses órgãos por cinco, por dez. Desse modo, é possível ter toda a estrutura de resgate pronta antes de desastres acontecerem e salvar vidas."


Para o pesquisador, é extremamente importante que o Brasil se adapte e melhore as ações integradas entre municípios, estados e governo federal.


"O clima já mudou, vai continuar mudando e impacta principalmente a população de baixa renda, então ele é um forte fator de concentração da renda", destaca. "Hoje se improvisa e esse improviso causa muitas mortes adicionais e prejuízos para população de baixa renda, que não tem para onde ir."


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