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Mulher de fibra

Artesanato é ferramenta para líder comunitária fazer o 'trabalho de formiguinha' no qual acredita

Simoni Saris - Grupo Folha
02 out 2016 às 20:40

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- Celso Pacheco
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Já se passaram 16 anos desde que Maria José Teixeira Lopes saiu do Patrimônio Selva e tomou um ônibus rumo a Curitiba onde foi fazer um curso para aprender a trabalhar com a fibra da bananeira. Com as primeiras noções de como utilizar a matéria-prima, ela voltou para casa e criou o Grupo de Mulheres Patrimônio Selva para produção de artesanato e geração de renda. Das mãos habilidosas das integrantes do grupo começaram a sair bolsas e itens de decoração que, além de garantir uma complementação de renda, contribuíram também para valorizar o trabalho das mulheres da comunidade e elevar a autoestima delas.

É com o artesanato que a líder comunitária de 66 anos de idade faz o "trabalho de formiguinha" no qual tanto acredita. Na confecção dos itens feitos com fibra de bananeira ela mesma encontrou a saída para um problema pessoal. Depois de ser demitida e com filhos para criar, Maria José entrou em depressão. Foi com o artesanato que conseguiu encontrar um novo sentido para a vida e hoje ajuda outras mulheres a fazerem o mesmo. "Desde que comecei a trabalhar com o artesanato nunca mais tive emprego", comenta, com orgulho. "Eu não tinha nem um pé de banana aqui na minha casa. Enchi a chácara de bananeira para poder começar a trabalhar com a fibra. Hoje, o artesanato é a minha vida. É um complemento de renda, mas também é uma forma de ajudar as pessoas. E tem tantas pessoas que ainda precisam de muita ajuda."

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O centro de produção do artesanato fica na chácara onde vive dona Maria. É lá que muitas mulheres da comunidade chegam acanhadas, começam a se envolver aos poucos com o trabalho manual e, quando se dão conta, desenvolveram novas habilidades, descobriram uma nova ocupação e passaram a enxergar a vida por outra perspectiva. Além de artesã, dona Maria também é uma boa conselheira, garantem as mulheres do grupo. "Ela fala coisas muito boas para a gente. Aprendi muito com a dona Maria. Nem discuto tanto mais na minha casa. Eu a admiro muito e a tenho como uma mãe", diz a artesã Zilda Godói.

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Embora o trabalho de Maria José tenha ganhado maior visibilidade no início dos anos 2000 com a divulgação do artesanato, a sua atuação como líder comunitária já tem mais de duas décadas. Com sua persistência, ela conseguiu melhorias para a localidade, como as reformas da escola e do posto de saúde, e há 13 anos coordena o programa Leite das Crianças, do governo estadual, além de representar a comunidade do Patrimônio Selva no Conselho Municipal de Saúde. "Todo o trabalho que faço é voluntário. Nunca tive salário nenhum da prefeitura", ressalta. "Sou mãe de nove filhos, avó de 19 netos e sei bem o que é carência. Você ajuda porque já sofreu lá atrás."

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A vocação para arregaçar as mangas e ir à luta por melhores condições de vida Maria José diz que herdou da mãe. "Ela era mais à frente das coisas, mas tinha muitos filhos, cuidava das crianças e não tinha muito tempo", conta. Mesmo com tantos afazeres, a mãe conseguiu fazer germinar a semente do inconformismo plantada em seus filhos. Dona Maria é irmã de Rosalina Batista, fundadora da Associação das Mulheres Batalhadoras do Jardim Franciscato (zona sul), que desde o início dos anos 1990 luta pela conquista e manutenção dos direitos básicos da população e pela integração das mulheres na sociedade. "A gente tem que arregaçar as mangas. O poder público está lá e tem que fazer, mas nós temos que ajudar", ensina dona Maria.


Já o dom para o artesanato veio do pai, que assim como ela retirava da natureza a matéria-prima para a produção das peças. "Minha mãe também fazia artesanato, mas meu pai era um grande artesão. Trabalhava com barro, madeira, taquara. Fazia gamela, colher de pau, muita coisa interessante."

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A mineira de Turmalina chegou ao Paraná em 1963, "o ano do fogo", recorda-se ela, referindo-se à série de incêndios florestais que devastou 10% do território do Estado entre os meses de agosto e setembro. Inicialmente, a família instalou-se na Fazenda Candiró, em Tamarana (Região Metropolitana de Londrina). Aos 13 anos de idade, Maria foi trabalhar na roça, nas lavouras de café. "Foi a primeira coisa com a qual aprendi a trabalhar."


Da vida em Minas Gerais dona Maria se lembra com clareza de como funcionava a economia local. "Era tudo à base de troca e eu acho que tem que ser assim. Às vezes nem tudo é o dinheiro. As mãos são sagradas e tudo o que você faz tem muito valor."


É com esse pensamento que a artesã de 66 anos de idade conduz o Grupo de Mulheres Patrimônio Selva. "A gente não está aqui só pelo comércio. A gente tem um trabalho onde busca se conhecer e aprender a ser uma pessoa melhor. Aqui, as mulheres nunca estão sozinhas e nunca devem ser sozinhas mesmo. Nós não somos nada. Somos só um instrumento no meio de outros e nosso trabalho é na união. Ninguém é melhor do que ninguém."

Um dos maiores orgulhos de dona Maria é saber que o trabalho que faz com tanta dedicação é valorizado e reconhecido. Ela não disfarça o contentamento ao mostrar o certificado de reconhecimento pela contribuição ao desenvolvimento rural sustentável que recebeu da Emater no último dia 20 de maio. "Vou colocar na minha parede. Às vezes você pensa que está só fazendo um trabalho de formiguinha, mas vê que nada é em vão", diz ela, com a moldura nas mãos.


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