"Levanta sacole a poeira e dá por cima". Os versos do compositor Paulo Vanzolini inspiraram o nome do jornal do movimento estudantil da Universidade Estadual de Londrina (UEL), lançado em março de 1974 durante a ditadura militar. Sem liberdade nos anos de chumbo, os estudantes do "Poeira" apostavam na cultura e na arte para resistir ao regime e conscientizar os universitários sobre a necessidade de redemocratização do País.
"A estratégia era fazer oposição à ditadura pelo caminho da conscientização com trabalho de base ao invés da luta armada, voltado principalmente para dentro da universidade", explicou em entrevista ao portal Bonde o jornalista e pesquisador Tadeu Felismino, que desenvolve um projeto de mestrado no Departamento de Comunicação Social da UEL sobre o jornal "Poeira".
Segundo ele, sete estudantes participaram da organização do jornal que entrou para história da UEL como símbolo da liberdade de expressão contra a repressão da ditadura. De acordo com o jornalista, Marcelo Oikawa, Roldão Arruda, Cleusa Monteiro, Nilson Monteiro, Célia Regina de Souza, Luzia Tieme Oikawa e Marília Andrade foram responsáveis pelo movimento que ao longo de cinco anos teve a participação de aproximadamente 400 pessoas.
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Proveniente de Belo Horizonte, onde participou da Ação Popular, Marília Andrade entrou na UEL em 1971, quando a universidade foi criada. Conforme Felismino, a estudante vivia na "semi-clandestinidade" em Londrina com o marido. Ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ela iria para Guerrilha do Araguaia, mas veio para o Norte do Paraná por causa da gravidez da filha chamada Elena. O jornalista lembrou que em 2012 foi lançado um filme que conta a história de Elena, considerada a "mascotinha do Poeira" nos primeiros anos.
Início do movimento
A primeira eleição para Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UEL ocorreu em 1972. A chapa de esquerda "Terra Roxa" venceu o primeiro pleito, mas foi derrotada no ano seguinte pela frente de direita que tinha ligações com o Arena, partido que dava sustentação ao regime militar.
Naquele período, Felismino teve o primeiro contato com os estudantes que iriam fundar o jornal "Poeira" durante um concurso de poesia. Em março de 1974, nasce a publicação que começou a fazer oposição ao DCE. "Com a representatividade do jornal, que tinha humor, entrevistas, fotos e uma linguagem popular, o movimento venceu as eleições entre 1974 e 1978", recorda.
De acordo com o jornalista, que começou a trabalhar no "Poeira" com venda de anúncios, a impressão do jornal ocorria na Folha de Londrina, onde seis mil exemplares saíam da gráfica para as mãos dos universitários.
"Reuniões de pautas abertas eram realizadas aos sábados com a participação da comunidade. O Poeira conseguiu criar um ambiente de liberdade em uma época de censura. A gente tomava cuidado para não abusar e falava de ditadura e política apenas dentro da universidade. Era uma tática para evitar a censura", relembra.
O jornalista Tadeu Felismino participou do "Poeira" e foi eleito presidente do DCE em 1977
Professor preso
Em 1975, ações clandestinas de prisões por parte de grupos de extrema direita deixaram os estudantes com medo do que poderia ocorrer naquele ano. O terror aumentou ainda mais quando o professor e diretor do Centro de Ciências e Saúde (CCS), Nelson Rodrigues dos Santos, foi preso sem conhecimento de critérios que justificava a detenção.
No discurso de posse da nova presidência do DCE, o então estudante Nilson Monteiro aproveitou o discurso para denunciar o caso. "Foi um ato de coragem, já que nenhuma manifestação sobre o tema havia ocorrido. A imprensa da cidade ainda conseguiu dar cobertura ao discurso com matérias com títulos 'Estudantes tomam posse e falam de direitos humanos'. Isso era uma vitória por causa da censura", comentou Felismino. O professor detido foi liberado poucos dias depois do discurso.
Debate censurado
Em 1977, Felismino era presidente do DCE. O ano foi marcado pela censura de um debate organizado pelo movimento estudantil sobre a convocação da Constituinte, que ocorreria apenas no final da década de 80.
Os três participantes do debate, marcado para o Teatro Colossinho, eram Aliomar Baleeiro, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o jurista Dalmo Dallari e o jornalista Sérgio Buarque de Gusmão.
No entanto, a Polícia Militar cercou o hotel dos convidados e as ruas que davam acesso ao teatro para impedir a realização do evento. "Nós só saímos do hotel por causa da Dona Darli, mulher do Baleeiro, que disse que não veio do Rio de Janeiro para ficar dentro do quarto do hotel. Eles entraram em um fusca de uma estudante e foram para o local do debate. Mas, as barreiras policiais impediam a chegada. No dia seguinte, levamos os convidados para o aeroporto, onde foi realizado um ato desagravo com a presença de cerca de 100 estudantes", lembrou Felismino.
No mesmo ano, a repressão aumentava na universidade. Guardas que cuidavam do patrimônio da UEL eram treinados para "controle de distúrbios" e foram batizados de SWAT pelo jornal "Poeira".
Invasão do DCE
Sem sucesso pela via eleitoral, em novembro de 1978 a nova reitoria da UEL, comandada por José Carlos Pinotti, decide cassar mandatos, fechar os diretórios e sequestrar os bens do DCE. As eleições estavam sendo adiadas desde o final de 1977. Um dos principais alvos eram as máquinas e equipamentos do movimento estudantil que realizavam a impressão do jornal "Poeira".
"As gráficas sofriam pressões da PM quando rodavam o jornal. A impressão chegou a ser realizada em Bauru (SP). Quando conseguimos comprar as máquinas, conquistamos uma independência. Mas a parede da Casa do Estudante foi derrubada e os equipamentos foram levados. Depois disso, poucas edições do Poeira foram publicadas", relata Felismino.
A polícia e representantes da UEL também foram até a sede do DCE para tomar posse do imóvel que ficava no cruzamento entre as ruas Hugo Cabral e Piauí. No entanto, começava ali um movimento de resistência que durou anos. Estudantes permaneciam no local 24 horas por dia durante vigílias para evitar a ocupação.
Evento em maio
No próximo dia 30 de maio, um evento com debates e oficinas de memória deve reunir integrantes do movimento para relembrar as experiências. Entrevistas serão gravadas para o acervo da UEL e podem utilizadas em futuros trabalhos sobre o Poeira, adiantou o pesquisador. "Vamos reunir as pessoas que participaram do movimento. Essas experiências são importantes para as novas gerações que vivem em um Brasil democrático", ressaltou Felismino, que está divulgando o evento pelo Facebook.
Mafalda é a personagem mais lembrada pelos participantes do jornal Poeira