As primeiras horas da manhã, no judiado trecho que fica ao final da Rua Amangaba, no Jardim Santa Inês (Zona Leste), são sempre acompanhadas de um crime ambiental. É neste momento, com o sol ainda ameaçando sair, que muitos moradores aproveitam para se livrar de um 'incômodo', o lixo que produziram. O destino é uma área que deveria receber esforços de preservação: as margens do Rio das Pedras, um dos 84 córregos urbanos de Londrina.
O hábito de jogar resíduos nas proximidades dos leitos - assim como o assoreamento causado pelas erosões em terrenos e buracos do asfalto, o despejo de esgotos irregulares, a ocupação irregular de fundos de vale e a poluição gerada por indústrias - é uma das grandes ameaças à saúde das dezenas de mananciais que nascem ou que passam pela área urbana.
Além de uma malha hídrica generosa, Londrina apresenta uma condição única para cidades do mesmo porte, pois a concepção urbanística manteve abertos os leitos dos córregos, permitindo visualizar e preservar mais facilmente a qualidade da água. Mas o que se vê hoje na cidade são situações contrastantes, com trechos de água límpida mesclados por cenas desoladoras, em que córregos e lagos se transformam em depósito de resíduos a céu aberto e o assoreamento faz leitos caudalosos virarem espelhos d'água.
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''As cidades, de maneira geral, não são feitas pensando nas águas, embora elas sejam seu elemento estruturante'', diz o ambientalista João Batista Moreira Souza, integrante do Instituto Ecomotrópole. O instituto nasceu do antigo programa ambiental Rio da Minha Rua, lançado em novembro de 2007. Partindo da ideia de que praticamente todo londrinense tem um rio perto de casa, a iniciativa pretendia fazer com que cada um conhecesse a bacia hidrográfica da sua região e ajudasse a preservá-la. Hoje o programa, também batizado de Ecomotrópole, busca o desenvolvimento sustentável e o engajamento da sociedade na gestão dos espaços urbanos.
Souza acompanhou a reportagem em um passeio por trechos urbanos do Ribeirão Cambé - que forma os Lagos Igapó 1, 2, 3 e 4 -, e revelou uma maravilha escondida em mata praticamente intacta, a poucos metros dos condomínios horizontais da Zona Sul. O Córrego do Tatu, um afluente do Ribeirão Cafezal, forma uma cachoeira de pelo menos 10 metros e é exemplo de preservação. ''Londrina tem 14 cachoeiras urbanas'', explicou Souza, que há anos monitora a situação dos rios, lagos e córregos do município.
Para o ambientalista, as condições dos rios urbanos são fruto da qualidade dos serviços oferecidos no município. ''Os bueiros deveriam ser vistos como a entrada do rio. Na hora da chuva, por exemplo, são aberturas que, junto com as ruas, transformam-se em canais do sistema de drenagem. Se estão cheios de lixo, este lixo todo vai parar nos leitos dos rios'', exemplificou Souza. Ele lembrou que a cidade conta com várias entradas de bueiro sem grades, por onde passa facilmente todo tipo de resíduo. ''É por onde começa o assoreamento dos rios.''
Souza considera a fiscalização ''insignificante diante do tamanho do problema'', e mostrou como exemplo uma obra na região do Igapó 2 que não possui muro de contenção e a erosão é visível. Para ele, a solução para o assoreamento está em medidas como a readequação dos dissipadores das galerias pluviais - de forma que permitam a decantação da água para que a sujeira não chegue aos rios -, aumento da varrição das ruas e maior fiscalização em terrenos e bueiros. ''Londrina não tem um grande poluidor, mas milhares de pequenas fontes de contaminação, poluição e assoreamento'', resumiu.
Ainda no Igapó 2, local de intenso fluxo de pessoas e considerado cartão postal de Londrina, ele criticou a existência de grandes galerias pluviais, que despejam no lago tudo o que a água da chuva carrega pelo caminho, como uma grande quantidade de embalagens vazias.
A professora Eloíza Cristiane Torres, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina (UEL), ressalta, porém, que esta não é a realidade comum na cidade. ''Adotou-se aqui o modelo de gestão dos recursos hídricos que mantém os córregos abertos ou semiabertos, fazendo com que a água flua mais naturalmente. Quando as águas são canalizadas, como acontece em outras cidades, não se sabe o que há por baixo.'' Ela defende maior fiscalização nas obras como forma de evitar a erosão e o assoreamento. ''Estes são processos naturais, mas que são acelerados e intensificados com a intervenção do homem'', explica Eloíza.
Costume antigo
A população que mora no Jardim Santa Inês, por onde passa o Rio das Pedras, admite que ''todo tipo de lixo vai para o rio''. Os moradores contam que, além do grande número de saídas de esgoto, o manancial recebe o lixo produzido pelas famílias que moram no entorno e também resíduos gerados longe dali. ''Tem gente que vem de carro e joga até bicho morto na beira do rio. É um costume antigo, de muito antes do caminhão de lixo começar a passar na região. Os lixeiros só perdem tempo por aqui'', revela Eliane Fátima Soares, que mora há seis anos às margens do ribeirão.
Às margens do Córrego Cabrinha (Zona Norte), perto de onde o manancial foi represado para formar mais um lago, o hábito de ''jogar tudo'' no rio também permanece. ''Muitas vezes tive que fazer buracos para enterrar os bichos mortos que descartavam aqui, tamanho era o mau cheiro'', conta a dona de casa Clarice Bezerra, moradora do local há 29 anos.