Londrina

Professora atravessou o Rio Tibagi durante oito anos em barco a remo para estudar

16 out 2016 às 15:16

Em maio de 2003 as páginas da Folha de Londrina foram ilustradas com uma impressionante história de superação em busca de educação. Naila Menezes de França Mota, na época com 14 anos de idade, todos os dias atravessava o Rio Tibagi, em um barco a remo, para estudar em Paiquerê, distrito na zona sul de Londrina.

Moradora de uma fazenda do outro lado do rio, já no município de São Jerônimo da Serra, a menina tinha que fazer a travessia porque era mais fácil chegar a Paiquerê, utilizando o sistema de transporte da Prefeitura de Londrina - uma Kombi já a aguardava perto da margem do Tibagi - do que chegar a uma escola rural de São Jerônimo da Serra.


Durante os oito anos do ensino fundamental Naila enfrentou essa vida de travessias, estudando os quatro primeiros no Patrimônio Guairacá e o restante em Paiquerê.


Acordava de madrugada, amassava barro nos dias de chuva, engolia poeira no tempo de seca, utilizava cavalos e até um trator para chegar de sua casa ao Tibagi. No caminho entre o rio e o transporte, tomou carreirões de vacas, subiu em árvores para escapar de cachorros bravos, assustou-se com serpentes e jacarés, teve medo de assombração, mas não desistiu. Sonhava ser professora.


Da mesma forma não desistiram do sonho da filha, que também era o deles, os pais de Naila: José Pedrosa Mota e Angelita de França. Moradores a vida toda da zona rural e com a incumbência de desde muito cedo trabalharem na roça, os dois queriam dar aos filhos a oportunidade de estudar que não tiveram.


Administrador da fazenda de 200 alqueires que serve à criação de gado, José Mota programava a sua rotina de forma que estivesse sempre livre nos momentos de remar de um lado para o outro do Tibagi. "A Naila só não ia à escola quando não dava mesmo, em dias de temporais. Se vinha chuva, mas era mansa, ela ia do mesmo jeito. Muitas vezes enfrentamos o rio com correntezas", recorda-se o pai.


Todo o empenho da menina e de Mota valeu a pena e ela concluiu o ensino fundamental com boas notas. O ensino médio foi feito em São Jerônimo da Serra, morando em uma casa que o pai alugara na área urbana do município para facilitar a vida das filhas. A irmã caçula, Débora, era a companheira de moradia.


Na sequência, veio a faculdade. Naila conseguiu uma vaga no curso de História da Universidade Norte do Paraná (Unopar), por meio da extensão mantida em Cornélio Procópio pela Universidade Aberta do Brasil (UAB). Formada, realizou o sonho e viu a emoção da mãe e do pai na hora da formatura.


Porém, a moça queria mais e foi atrás do segundo diploma, matriculando-se no curso de Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em uma extensão oferecida em Assaí.


O barco ficara no passado, mas foram oito anos pegando a estrada, de ônibus, para se deslocar entre São Jerônimo da Serra e as cidades nas quais fez o curso superior.


Formada, continuaria a pegar estradas para dar aulas. Aprovada em um processo seletivo do governo estadual, foi escalada para lecionar na extensa zona rural de São Jerônimo da Serra. Teve a oportunidade de ensinar alunos com histórias muito semelhantes à dela. "Eles chegavam cansados, às vezes desanimados e até dizendo que estudar não valeria a pena. Eu os compreendia, contava sobre a minha história de estudante e mostrava que somente a educação poderia fazer com que tivessem uma vida melhor. Procurava mostrar que o estudo seria importante para qualquer coisa que viessem a fazer no futuro, inclusive para serem melhores agricultores se escolhessem permanecer no campo", relata Naila.


Atualmente ela ocupa um cargo comissionado como diretora na Secretaria Municipal de Educação de São Jerônimo da Serra. Ajuda a cuidar de tudo o que envolve as seis escolas municipais e os dois centros de educação infantil onde estudam 1.100 crianças. E já projeta para logo, agora que o filho Raí Gabriel completou 3 anos, cursar Pedagogia. "Educação é coisa muito séria. Quero ser a melhor profissional possível", justifica-se.


José Mota continua firme como administrador da fazenda, trabalhando o dia todo pela propriedade onde não faltam morros, aclives e declives. O deslocamento é tão difícil na região que o dia em que a reportagem o procurou para entrevista e fotos teve que voltar sem o material.

Para chegar até onde o pai de Naila consertava cercas na divisa da fazenda seria necessário andar um bom tanto a cavalo. Impossível ir de carro. Faltaria tempo. Mas por telefone, o homem que dava aulas de natação para os filhos no rio, fazendo com que estivessem preparados se acontecesse de o barco um dia virar, sintetizou muito bem o que significa estudar. "É tão importante que não há esforço que não valha a pena." Finalizando, o barco, felizmente, nunca virou.


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