Assustada com o alto índice de menores envolvidos em atos infracionais, a juíza Beatriz Fruet de Moraes, da Comarca de Cambará (Norte Pioneiro), editou na última semana uma portaria, que já está em vigor, estipulando horários para a permanência de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais em estabelecimentos comerciais, cinemas, teatros e espetáculos públicos à noite. No caso de ''lan houses'', por exemplo, menores de 16 anos não podem permanecer após as 20h. Iniciativa pode ser adotada em outros municípios (leia mais nesta página).
Na cidade, que tem 23.956 habitantes de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a aprovação à portaria, que a magistrada prefere que não receba o título de ''toque de recolher'', é grande. Vários moradores entrevistados pela FOLHA reclamaram da presença de crianças e adolescentes perambulando à noite pelas ruas e pedindo dinheiro.
A reportagem, durante a permanência em Cambará, foi abordada duas vezes. Primeiro foi Antônio (nome fictício), 12 anos, em um movimentado posto de combustível que fica às margens da BR-369, na zona urbana. Franzino, o menino disse que queria algumas moedas para comprar um remédio. Comentou que é orfão de pai - ''mataram ele com oito tiros'' - e que a mãe é cortadora de cana. Ele negou ser usuário de drogas, mas funcionários do posto confirmaram que ele pede para comprar crack.
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Outro garoto que pediu dinheiro foi Pedro (nome fictício). Com apenas oito anos e bem vestido, disse que queria um lanche. Caminhou ao lado do repórter por três quadras e não negou nenhuma informação sobre seus hábitos. Disse que a mãe não liga para o fato de ele ficar à noite na rua. ''Ela não reclama'', comenta o menino.
''Estou na cidade há pouco mais de dois anos e percebo que, como em outros municípios, temos muitos casos de adolescentes envolvidos com a criminalidade, principalmente o tráfico de drogas. Por isso, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dá ao juiz a competência de disciplinar sobre este assunto, editei a portaria'', explica a juíza. Dos seis mil processos que tramitam no Fórum de Cambará, em torno de 200 são de adolescentes envolvidos com atos infracionais.
O sub-comandante do pelotão de Polícia Militar na cidade, cabo Reinaldo Antônio dos Santos, concorda que é considerável o número de menores areebanhados pelo crime e comemora a entrada em vigor da portaria. ''Na primeira semana, fizemos um trabalho de conscientização, a partir de agora vamos fazer a fiscalização. Mas já percebemos que diminuíram os adolescentes nas ruas durante a noite. Na última semana, não registramos nenhuma ocorrência envolvendo menores'', comenta o cabo.
Ao ser informada da decisão da juíza, Fátima Fáveri, proprietária de uma lanchonete, lamentou pelo fato da consequente queda no movimento que os estabelecimentos comerciais desse tipo vão ter, mas apoiou a ideia. ''Como mãe, acho louvável. Nossos clientes são pessoas de família, porém a 'lei' é para todos, então vamos cumprir'', sintetizou.
O promotor da Comarca, Marcel de Alexandre Coelho, também aprovou a portaria. Segundo ele, os estabelecimentos que não a cumprirem podem receber multas que variam entre três e 20 salários mínimos. ''Havendo desrespeito, cabe ao Ministério Público entrar com uma representação contra o dono do estabelecimento para que haja a punição da multa ou até um processo criminal'', informou.
As reclamações ficam para os adolescentes, que se queixam da perda de liberdade que tiveram com a portaria. ''A cidade ficou pacata demais. Depois que saímos da igreja, aos sábados, não podemos fazer mais nada'', reclamam os amigos Rui, 15; Nayara, 14 e Bruna, 14.