A aparente finitude dos tempos desenha-se neste 31 de dezembro. Fim de mais um ano, fim de século, fim de milênio. A alteração dos algarismos teria um íntimo contato com as forças espirituais? Alguns artistas contatados pela Folha Dois comentaram sobre os caminhos que a arte deverá tomar, de acordo com suas crenças e expectativas. Aquilo que virá já está se externando nestes nossos dias, de acordo com esse pensamento. Para outros, a caminhada será normal, mantendo a continuidade do destino.
Assim pensa o ator Paulo Betti, que num emocionado depoimento sobre o teatro, observou que basta um tablado para que ali se faça a magia da representação. A comunhão se completa com a mensagem sendo recebida pela platéia.
Já a cantora Wanderlea aposta que um país submerso, feito de muita força, integridade, generosidade tende a ocupar seu posto, embora abafado pela mídia, que alardeia apenas a violência, como se esta fosse uma terra unicamente ocupada por bandidos. Essa sociedade que está fora da TV e dos jornais, é a mesma que anseia por arte de melhor qualidade.
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Tiomkim, videomaker:
"Em toda sua história, o cinema evolui com a tecnologia. Agora, com os novos sistemas digitais, até a edição está deixando de ser feita na moviola. Os equipamentos tornaram-se ainda mais sofisticados, os efeitos especiais parecem que não têm limites. Mas tudo isso prende-se ao visual, ao espetáculo. Em sua essência o cinema continua trabalhando com as mesmas temáticas, que é a própria vida. Desde seu surgimento ele trabalha com os desejos e sentimentos do homem, suas conquistas e suas perdas. Esses elementos são eternos, eles não mudam. Então, alteram-se os recursos, há evolução na sofisticação, mas os temas são os mesmos de um século atrás. Particularmente acho que a tecnologia expulsa um pouco a vida. No filme "O Gladiador" há todo um cenário criado por computadores, então fica a dúvida sobre aquilo que a gente vê se é real ou virtual. Enfim, é a modernidade. Só acho que tem hora que se cria um distanciamento da paixão que só o ser humano consegue empregar, com a sua química muito particular".
Paulo Betti, ator:
"O teatro não caminha a lugar nenhum. Quando digo isso, não estou desmerecendo-o - pelo contrário, é uma forma de prestigiá-lo. Apesar de estarmos nesta transição de século e de milênio, o teatro está onde sempre esteve, porque esta é a arte que melhor entende a alma humana. Ele não caminha em direção à evolução tecnológica, mas no sentido de se tornar cada vez mais sagrado. Ele é ainda o lugar onde as pessoas mais se despem. O teatro independe de altas tecnologias: ele é feito da magia do ator no exercício de sua função, e o contato com o público, comungando esse momento. A emoção é instantânea, sai de você e atinge o outro no mesmo instante. E,mbora ele se faça de pouquíssimo aparato, sinto que está cada vez mais promissor. Enquanto o cinema, as artes plásticas, mesmo a televisão lançam mão dos recursos digitais, o teatro mantém sua essência. Ele tem as tábuas e a paixão".
Edilson Viriato, artista plástico
"Eu acho que as pessoas estão tendo mais oportunidade e direito de poder ver mais arte contemporânea que em outros tempos. O acesso está mais fácil, especialmente pela difusão dos meios de comunicação. Mas também os livros de arte hoje estão mais acessíveis; há um intercâmbio mais intenso, as grandes exposições estão chegando ao Brasil. Sinto que há uma educação cultural em desenvolvimento no Brasil, e a consequência disso é que o País está dando uma virada. A arte brasileira deixou de ser coisa de Terceiro Mundo para se tornar universal. Nossos artistas estão sendo mais valorizados. As pessoas estão adquirindo obras de arte não só para decoração, mas como investimento. E assim como tivemos a fase da instalação, da fotografia, da gravura, acredito que dentro de poucos anos a pintura voltará a ser predominante nas artes plásticas. A próxima fase será da pintura.
Wanderlea, cantora
"Tenho a sensação que todo mundo está necessitado de beleza. Como a televisão é o principal meio de divulgação, e está muito próxima da vida das pessoas, então o telespectador está farto do oportunismo, de vulgaridade. Estamos precisando da verdadeira expressão do amor, de beleza. Acredito que esse milênio que está à porta de casa, trará de volta a essência em todos os sentidos, não só no terreno artístico, como no social, no político. A saturação mostra que as pessoas não estão mais tão inocentes; não se sujeitam mais ao oportunismo, engolindo goela abaixo as enganações da mídia. Como artista, rodo o Brasil inteiro e sinto um País latejante, uma nação de um povo íntegro, bonito, amoroso, querendo acreditar. A mídia expõe apenas a violência e a corrupção, que realmente existe, mas não representa a totalidade dos brasileiros. O Brasil que não é mostrado, obrigatoriamente virá à tona. E com ele a nossa bela feição artística. Aí, logicamente, se inclui a música.
Tizuka Yamazaki, cineasta
"Não posso falar pelo cinema nesta época de transição, porque é impossível. O cinema é muito amplo. Falo por meu trabalho, por onde vou caminhar. Está cada vez mais claro que vou plantar raízes no Paraná, por causa dos meus projetos, do Gaijin II, e também porque gosto fisicamente da cidade de Curitiba e do Paraná como um todo. Aqui as influências étnicas são muito fortes, todos vieram de algum lugar. Aqui todo mundo é Gaijin. No Rio, onde moro há mais de 20 anos, me sinto um pouco estranha, e o mesmo aconteceu com Brasília, São Paulo. Ser cineasta é estar comprometida com muitos lugares. Neste momento estou em estado de gestação, num trabalho de engravidamento que pode durar anos".
Roberto de Regina, músico
"Não falo baseado em teorias, mas nas experiências. Então, neste fim de milênio temos em Curitiba um grupo como Camerata Antíqua, que é o único a fazer vôos maiores, ousados. Os concertos que realizamos no último ano tocaram profundamente as pessoas. Um momento especial foi a execução da Missa em Si Menor, no Guairão, há poucas semanas, onde centenas de pessoas ficaram na porta, sem poder entrar. Nem o governador Jaime Lerner conseguiu. Nessa noite deu para sentir que o aplauso do público, depois de duas horas de música, sem concessões, era a manifestação do povo. Os gritos, assovios não eram de quem frequenta salas de concerto, o que prova que a mensagem chega às pessoas, indistintamente. Parece que a grande música está adormecida, mas é um engano. Agora vem aí o Rock in Rio, que tomou ares de acontecimento do milênio. Não é. Movida por interesses, a mídia não está interessada em cultura, mas o concerto da Camerata no Teatro Guaíra, com aquele aplauso estrondoso, vindo do povo, mostra que a verdadeira arte continua a ser reconhecida por todos".