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Aprendendo a errar

25 jun 2004 às 11:00
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Talvez sejam os cinco minutos e 35 segundos mais preciosos que você vai ouvir num disco lançado em 2004. Tudo começa baixinho, com um piano e uma guitarra quase inaudível abrigando versos amargos na voz tímida de Jeff Tweedy: "‘talvez tudo que você precise/ é me deixar sozinha’/ pelo menos é isso que você me disse". A música chega na casa dos dois minutos e cessa por um instante.

Retorna, com a guitarra quatro vezes mais alta, num pulso básico. Em seguida, entram baixo, piano e bateria, que perseguem a mesma cadência marcial, como se os instrumentos estivessem tentando derrubar um muro. Aí, a levada assume certa candura, em dedilhados gentis da guitarra de Tweedy. Que, logo adiante, parece perder a razão: num dos solos mais barulhentos e apaixonados da história recente do rock, maravilhosamente interminável, herdeiro do esporro que Neil Young guiava no Crazy Horse. Quando o barulho dá refresco, a guitarra repete preguiçosamente algumas notas, até o fim. Pode respirar agora.

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O êxtase tem nome, "At Least That’s What You Said", e abre de forma promissora o quinto disco do Wilco, "A Ghost Is Born" (Nonesuch – importado). A impressão que se tem é que vem a seguir outra obra-prima, comparável a "Yankee Hotel Foxtrot" (2002), o sublime álbum antecessor, que projetou a banda de Tweedy um tantinho além do status de especiaria indie, nem tanto pelas suas (muitas) qualidades musicais, mas devido a um papinho disco-genial-é-rejeitado-por-gravadora-malvada-e-dinheirista, no estilo do que os Los Hermanos experimentaram na época de "Bloco do Eu Sozinho" (2001).

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O novo disco, a exemplo do anterior, começou a atrair problemas depois que o produtor Jim O’Rourke soltou pela última vez o botão REC: após mudanças de formação no grupo, Tweedy se internou numa clínica para dependentes químicos – estava viciado em remédios para enxaqueca – e forçou o adiamento do lançamento do álbum e o cancelamento de alguns shows.

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Musicalmente, "A Ghost Is Born" mostra o Wilco no limite da chatice: excetuando-se raros momentos de pouca inspiração, está longe de ser um disco ruim ou tedioso, mas se no próximo Tweedy tentar dar um passo a mais (como "A Ghost..." é em relação a "Yankee Hotel..."), a tendência é a receita desandar. É um álbum ainda mais ambicioso, o que pode ser catalogado como pretensão em dois momentos: o groove reto de "Spiders (Kidsmoke)", lamentável maçaroca de mais dez minutos que soa como se o CD estivesse riscado, e emula os improvisos de guitarra de "White Light/White Heat" (1968), clássico do Velvet Underground, sem a mesma inspiração; e a maratona de ruídos que sucede a belíssima "Less Than You Think", que estende a duração da faixa para 15 (!) minutos.


De resto, é o Wilco de sempre, ainda que com interpretações de Tweedy mais contidas do que o habitual, refrões menos aderentes e melodias menos solares. A banda de outrora, especialmente a dos discos "Being There" (1997) e "Summerteeth" (99), comparece na velha inspiração beatle de "Hummingbird", no delicioso rockinho "I’m A Wheel" e na toada elegante da doce "The Late Greats", que fecha o disco. "Company In My Back" e "Wishful Thinking" também remetem ao passado, no sabor caipira de fragrância folk que pregou o Wilco no trono de ponta-de-lança do tal alt-country.

Tweedy adiciona novas cores à sua paleta musical na levada endiabrada de guitarra de "Muzzle Of Bees", a única que lembra o fulgurante barulho da faixa de abertura, e na balada "Hell Is Chrome", cinzenta, fúnebre e com cara de anos 70. De novidade, também é preciso citar os dois dispensáveis momentos de pretensão, comentados dois parágrafos atrás. Aí, o Wilco demonstra que, por incrível que pareça, aprendeu a errar. Espera-se que tenha sido uma lição rápida.


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