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A nova safra européia no atacado

06 fev 2004 às 10:59
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A vinda de pequenos grandes shows alternativos (Man Or Astro-Man?, Superchunk, Fugazi) ao Brasil nos anos que precederam o milênio acabou dando frutos rápido. Não só ajudou a engrenar o rock independente nacional como fez com que bandas de maior porte (Sonic Youth, Stephen Malkmus, White Stripes) dessem as caras por aqui e que as gravadoras acordassem para o tal do indie. Primeiro, selos de pequeno e médio porte como Trama, Slag, Motor Music e Highlight Sounds lotaram prateleiras com lançamentos das novas safras gringas.

Segundo, as grandes gravadoras foram obrigadas a abrir o olho. Hoje, dá para contar nos dedos as bandas realmente relevantes dentro do rock alternativo que não tiveram algum disco lançado no Brasil nos últimos anos. Uma prova desse fenômeno é o pacote Made In Europe, que a EMI pôs nas lojas no final do ano passado. O lote compila os CDs mais recentes de Audio Bullys, Athlete, Ed Harcourt, The Thrills e Starsailor, bandas de apelo comercial duvidoso junto ao público brasileiro. A série chega ao mercado ao mesmo tempo que outro pacote dedicado a grupos norte-americanos, como Ok Go e Black Rebel Motorcycle Club.

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Todas as bandas em Made In Europe são inglesas, exceto os Thrills, que vêm da Irlanda. Os lançamentos dão uma idéia geral da indecisão que ronda o atual rock britânico, pressionado entre a volta à eletrônica após a ferrugem ter corroído as obras de Chemical Brothers e Prodigy, a influência quase opressiva do Radiohead e a adesão ao rock garageiro ianque, que, desde os Strokes, parece estar oferecendo bandas vindas de uma linha de montagem, tamanha a similaridade dos repertórios.

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O nome mais badalado do lote é o Audio Bullys, dupla formada pelo DJ e produtor Tom Dinsdale e o vocalista Simon Franks. "Ego War", seu álbum de estréia, recebeu elogios entusiasmados da crítica e foi incensado também por jornalistas brasileiros – não só por aqueles que elogiam qualquer coisa que vem do exterior, como também alguns que torcem o nariz para hypes. O que permite concluir que a imprensa musical está realmente tomada por alguma espécie de surto.

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É quase impossível ouvir "Ego War" do primeiro ao último minuto. Dinsdale e Franks misturam elementos de diferentes épocas, como disco, house, hip hop, tecnopop, com produção com timbres dos anos 80 e samples que vão de Elvis Costello a Joe Cocker, mas tudo numa receita de extrema obviedade. Os raps chochos de Franks, carregados de sotaque cockney, remetem ao ragga, aquela interminável e intragável ladainha jamaicana que os ingleses adoram.


Aliás, é exatamente este o problema do Audio Bullys: lembra demais coisas chatas, como Stereo MC’s, The Streets (Mike Skinner é outro grande enganador do momento), Basement Jaxx, os malas do Madchester (Stone Roses, Happy Mondays). Dançante? Dançante, mas os ingleses dançam com qualquer coisa. Qualquer cantor mirim de baile funk é capaz de sacar de bate-pronto uma melodia melhor do que a que abre "We Don’t Care". "Ego War", no fim das contas, vai significar daqui a sete anos tanto quanto "The Fat Of The Land", do Prodigy, representa hoje. Ou seja, nada.

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Sem a metade da badalação do Audio Bullys e com pelo menos cem vezes mais talento, o cantor Ed Harcourt comparece com seu segundo álbum, "From Every Sphere". Você já leu nesta coluna sobre o disco, um dos melhores de 2003, então não é preciso falar muito mais: se você gosta de Elliott Smith, Jeff Buckley, baladas da segunda fase dos Beatles ou Badly Drawn Boy, compre. "From Every Sphere" é de fazer os fãs de Travis sentirem vontade de jogar os últimos discos da banda de Fran Healy na privada.


Os Thrills, queridinhos de Morrissey, vão na mesma linha de delicadeza melódica, mas numa praia diferente da de Harcourt. Os cinco integrantes da banda passaram uma temporada memorável na Califórnia, o que fez com que sua música ficasse impregnada do sabor rancheiro de nomes como Flying Burrito Brothers, Byrds e Gram Parsons. O disco de estréia, "So Much For The City", é recomendadíssimo para fãs de outra banda das ilhas britânicas doida por rock caipira americano: Teenage Fanclub.

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A primeira metade do álbum é tão deliciosa que chega a parecer uma coletânea. Os refrões de "Santa Cruz (You’re Not That Far)", "Big Sur" e "Don’t Steal Our Sun" são adesivos – enfileirados nesta seqüência, soam programados para viciar o ouvinte. "Deckchairs And Cigarettes", a primeira balada, mantém o nível, com o vocalista Conor Deasy soletrando com tocante manha cada sílaba do refrão: "just don’t change a thing". Escrito na tela do computador, parece sem graça, mas experimente ouvir.


É uma pena que "So Much For The City" perca o fôlego do meio em diante, sem a mesma inspiração nos rocks solares e nas baladas, que ficam arrastadas ("Hollywood Kids", "’Til The Tide Creeps In"). Mas são reveses perdoáveis num disco de estréia. Os Thrills ainda têm a vantagem de serem despretensiosos, ao contrário do Starsailor, que faz todo o barulho que pode em seu segundo álbum, "Silence Is Easy".

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A pompa começa na ficha técnica, que aponta a produção de Phil Spector (midas do pop que trabalhou com inúmeros artistas relevantes, de Beatles a Ramones) em duas faixas. O lendário criador do "wall of sound" foi tirado da aposentadoria para gravar o disco do Starsailor inteiro, mas se desentendeu com a banda e puxou o carro. Pouco depois, foi acusado pelo homicídio de uma atriz, processo em que ainda não foi julgado.


Mesmo que Spector não seja o responsável pelas nove faixas restantes, sua influência se faz sentir a todo momento na busca por arranjos gloriosos, preciosistas. O nome Starsailor vem de um álbum do cantor folk Tim Buckley (morto por overdose nos anos 70), cujo filho, Jeff, é uma das influências primordiais do vocalista James Walsh. Na obsessão em reescrever as baladas épicas do Radiohead, a banda se aproxima também de Coldplay, Travis e Doves. Fechando o balaio, o timbre de Walsh é quase tão irritante quanto o de Richard Ashcroft, do Verve, ou o de David Gray.

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"Silence Is Easy", como os discos do Muse, peca pelo excesso. A faixa-título é de uma euforia cansativa, a exemplo das cordas pseudo-intensas e das interpretações afetadas de "Telling Them" e "Bring My Love", onde a grandiosidade desaba por não ser escorada em canções realmente consistentes. Quando vai mais no feijão com arroz, o que só acontece em duas faixas, "Some Of Us" e "Born Again", Walsh se aproxima da qualidade de Radiohead, Jeff Buckley e de Ed Harcourt. Mas é pouco.


Na comparação direta, "Vehicles & Animals", primeiro álbum do quarteto londrino Athlete, é bem mais prazeroso. Os parâmetros da banda, para começar, são bem menos "intensos" – comparado insistentemente ao experimentalismo sem sal da Beta Band, o grupo está mais para a desencanação do Pavement e para as baladas da fase "britânica" do Blur.


A primeira faixa, "El Salvador", que remete à banda de Stephen Malkmus no período "Terror Twilight", dá a impressão de que se vai ouvir um grande disco, mas o resto do repertório mergulha na irregularidade. O sono provocado por uma pilha de rocks monocórdicos e indolentes é interrompido por (poucos) momentos de vibração como os refrões de "Beautiful" (ótima) e "Out Of Nowhere", ou as guitarras pesadas de "New Project". "Dungeness", o rock progressivo aceitável em 2004, também se destaca, ainda que tais espasmos sejam insuficientes para quebrar o torpor.

Se forem feitas as contas, dois quintos de Made In Europe são totalmente aproveitáveis, o que é sintomático de toda a produção atual de música pop, onde uma oferta que chega a sufocar a demanda faz com que muitos discos desnecessários ganhem as prateleiras. É talvez este excesso que faz com que alguns "especialistas" míopes constatem que o rock está em crise, mas não se engane: sempre há coisa melhor por aí. E sempre dá para esperar o próximo pacote.


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