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Dois caminhos que começam a se separar

30 dez 2003 às 10:59
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Há uns três anos, quem passasse os olhos por alguma revista de música inglesa atrás de novidades vindas do Reino Unido constataria que o Radiohead é realmente a banda mais influente do rock desde os Pixies. Travis, Coldplay, Doves, Starsailor, Clinic, Sigur Rós (esta da Islândia), Elbow, Beta Band, Muse, Delgados – nove em cada dez calouros do 4 por 4 britânico deviam alguma coisa à banda de Thom Yorke, como o apreço pela esquisitice e/ou a melancolia das composições.

Destes, apenas Travis e Coldplay conseguiram romper a fronteira dos "entendidos" e alcançar grande sucesso comercial. Em ambos os casos, até batendo em popularidade o próprio Radiohead: em 1999, o Travis (vindo da Escócia) se tornou a banda de rock que mais vendia discos no Reino Unido com "The Man Who". E o Coldplay, hoje, é sucesso até entre o público dos Estados Unidos, que desde pelo menos os anos 90 torce o nariz para qualquer coisa que venha da ilha da rainha.

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As duas bandas lançam agora seus novos discos. O Travis solta "12 Memories" (Sony), seu quarto álbum, e o Coldplay coloca nas lojas "Live 2003" (EMI), um conjunto de CD e DVD que compila um documentário sobre a turnê do último disco do quarteto inglês, "A Rush Of Blood To The Head" (2002), e a gravação de um show na Austrália, no meio deste ano. O CD traz doze faixas desta apresentação, que vem na íntegra no DVD, com 17 músicas.

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As duas bandas são lideradas por vocalistas muito fáceis de detestar. O cantor do Travis, Fran Healy, louva em entrevistas o caráter de "artesão da composição" de seu trabalho (ele escreve sozinho todas as músicas), constituído quase totalmente de baladas que se pretendem refinadas, e fala bobagens sobre a necessidade de cantar sobre amor e bons sentimentos em músicas pop.

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Chris Martin, do Coldplay, faz a festa dos tablóides britânicos, já que não tem pudores de fazer declarações constrangedoras. Ele já admitiu que perdeu a virgindade só depois dos 20 anos e disse que todos os gênios do mundo não usam meias, como Albert Einstein – para, logo em seguida, é óbvio, informar que usa meias o tempo todo. A vassalagem, aliás, é outro item desabonador da personalidade de Martin. Ele passa metade de suas entrevistas elogiando outras bandas, como Radiohead (é claro), U2, Echo & The Bunnymen. Também andou se metendo com causas politicamente corretas.


Apesar das influências em comum, do som semelhante e da trajetória de ascensão parecida, Travis e Coldplay estão no momento em situações diferentes na carreira. Enquanto a turma de Martin segue na crista do mega-sucesso, a primeira banda passou o ano de 2002 quase inteiro afastada da mídia, devido a um acidente sofrido pelo baterista Neil Primrose: bateu a cabeça na beirada de uma piscina, sofreu fratura na vértebra e quase teve seqüelas.

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A breve reclusão pode ter feito muito mal à carreira do Travis. Não houve nenhum alarde no lançamento de "12 Memories", e as vendas do disco não repetem o desempenho dos anteriores. É importante lembrar que o repertório do novo álbum também não ajuda muito. Após insistir tanto na baboseira de "artesão", a ponto de gerar um disco banal como "The Invisible Band" (2001), Healy voltou com composições menos solares, que chegaram a ser classificadas de sombrias pela crítica.


Não chega a tanto, mas falta a inspiração de "The Man Who". A voz de Healy, que já chegou a ser idêntica à de Thom Yorke, aparece irreconhecível na faixa de abertura, "Quicksand". O sabor das melodias dos Beatles fase "Let It Be" e de outras bandas sessentistas permanece acentuado, mas com poucos refrões memoráveis. E, em vez de falar de amor, Healy quis ser político.

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Como resultado, a euforia apaixonada de sucessos como "Turn" e "Writing To Reach You" foi transmutada para versos carrancudos como os de "The Beautiful Occupation": "sou tão cínico/ fico aqui sentado/ só estou desperdiçando meu tempo/ meio milhão de civis vão morrer hoje". Essa influência de Bush e Blair sobre a música pop definitivamente não é muito saudável. "Peace The Fuck Out" se escora no mais vazio panfletarismo: "não desista/ você tem uma voz, não a perca/ você tem uma escolha, então escolha/ você tem um cérebro, use-o".


Mas o maior problema não reside tanto nas letras, e sim na apatia das canções e dos arranjos. Healy foi incapaz de escrever músicas com cara de hit. Excetuando a balada "Love Will Come Through", que paira num nível de qualidade muito acima do resto do disco, "12 Memories" é lerdo e esquecível. É difícil de imaginar se o Travis terá chance de se elevar novamente ao topo das paradas.

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O Coldplay não tem essas preocupações por hora. A moral da banda é tamanha que nenhuma voz se pronunciou para condenar Martin e companhia por terem se atrevido a uma manobra tão oportunista e preguiçosa como lançar um disco ao vivo após apenas dois álbuns de estúdio. Musicalmente, há pouco a ser criticado. Na apresentação registrada na Austrália, Martin desempenha de forma competente o papel de band-leader, já que sua performance frenética compensa com sobras a falta de carisma de seus companheiros, estáticos. Em certos momentos, a agitação do vocalista é tamanha que chega a ser incoerente com a delicadeza de parte do repertório.


De resto, "Live 2003" cumpre as exigências de um disco ao vivo que se preza. Algumas músicas ganham peso, como "Politik", e outras melhoram a versão de estúdio, como a arrepiante "A Rush Of Blood To The Head". Também são incluídas três faixas raras, que não constam dos dois álbuns do Coldplay, "One I Love", "See You Soon" e "Moses". A primeira remete a Echo & The Bunnymen, com quem Martin andou flertando (cantou no disco solo de Ian McCulloch, vocalista da banda veterana), enquanto a última peca pela falta de sal. "See You Soon" é a melhor, uma terna balada ao violão, sem truques.

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O toque Radiohead se faz sentir na forma como as canções da banda fluem vagarosamente para arranjos complexos e crescendos, sob ascendência progressiva – provas disso são as longas introduções e a duração de algumas faixas ("Everything’s Not Lost" beira os nove minutos). Entremeando essa pretensão, vêm os hits radiofônicos: "Trouble", "In My Place", "Yellow". As únicas notas dissonantes são a versão pálida de "Shiver", que perde para a gravação original, e as intervenções de prego de Martin. "Se vocês ficarem de pé, pago sorvete pra todo mundo", avisa o cantor no início de "Yellow".


Mas, é claro, trata-se de disco pra fã. Neste CD ao vivo, o Coldplay dificilmente vai atrair cristãos novos, já que seus defeitos permanecem os mesmos: o timbre levemente irritante da voz de Martin, a recorrência da extensão de vogais nos refrões, as letras de paixonite e auto-depreciação quase banais. São canções pop de inegável qualidade, mas que ainda não merecem adjetivos como "genial" ou "antológico".


PROMOÇÃO – MELHORES DO ANO

A eleição dos melhores do ano continua valendo. Os primeiros votos estão chegando e mostram que o ecletismo é forte entre os leitores dessa coluna – vieram votos para desde White Stripes até Outkast. Para participar, mande uma mensagem através da caixa "Contate o colunista", logo abaixo, com sua lista dos três melhores discos do ano. Vale nacional ou internacional, de qualquer artista ou banda, desde que os discos tenham sido lançados em 2003. Quem enviar seu voto vai concorrer no sorteio de um prêmio: um pôster do White Stripes, com MC5 no verso, para você escolher qual lado quer pregar na parede do seu quarto. Não adianta mandar várias mensagens, cada leitor tem direito a apenas um voto. A lista dos melhores e o resultado da promoção saem na coluna da segunda sexta-feira de janeiro, dia 9 – portanto, você deve mandar sua mensagem até o meio-dia da véspera, dia 8. Não esqueça de colocar seu telefone pra contato e endereço completo.


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