A idéia é simples e eficaz: centralizar títulos de alguns dos melhores selos independentes brasileiros e estrangeiros num site, que permita a compra de CDs a preços menos salgados do que os das lojas através de depósito bancário. A produtora mineira Motor Music, em seu auge, entre 1998 e 2000, quando trouxe ao Brasil diversos shows gringos relevantes, já fez coisa parecida. Agora é a vez da Peligro Discos, que tem seu QG no endereço www.blue-afternoon.com/peligro.
Desde o mês passado, a distribuidora paulistana revende CDs de selos importantes do underground nacional, como Slag, Submarine, Midsummer Madness, QMR, Bizarre e Fuzzy Nebulae. Também disponibiliza títulos de três importantes gravadoras independentes de Chicago: Thrill Jockey, Touch And Go e Drag City. Isso significa que a Peligro tem sob sua aba lançamentos de figurinhas conhecidas do alternativo brasileiro, como Wander Wildner, Hurtmold, Pelvs e Grenade. De bandas gringas, além de oferecer os lançamentos internacionais da Slag (como Nice Man, Clinic e Pastels) e da Midsummer Madness (Telescopes), tem distribuição exclusiva no Brasil dos discos de gente badalada como !!! (lê-se "chik chik chik"), TV On The Radio e Tortoise.
A vantagem é o preço: enquanto os discos nacionais distribuídos pela Peligro raramente passam dos R$ 20, os CDs importados da Thrill Jockey, Touch And Go e Drag City são revendidos a no máximo R$ 35. Numa época em que disquinho sem o carimbo "Produzido no Pólo Industrial de Manaus" não sai por menos de R$ 60 numa importadora, a economia não é pouca. Para impressionar na saída, a Peligro está disponibilizando um pacote de títulos das três gravadoras de Chicago citadas: "Westing (By Musket And Sextant)", do Pavement, "Louden Up Now", do !!!, o EP "Young Liars" e o álbum "Desperate Youth, Blood Thirsty Babes", ambos do TV On The Radio, e "It’s All Around You", do Tortoise.
O mais antigo da leva é "Westing...", coletânea lançada originalmente em 1993 que reúne as primeiras gravações da banda de Stephen Malkmus, registradas entre 1989 e 91. Dando seus primeiros passos antes de fazer história no rock alternativo dos anos 90, o Pavement juntava guitarras preguiçosas à Velvet Underground e vocais indolentes, maçarocados em interpretações toscas e arranjos barulhentos captados em gravador caseiro. No meio de muito ruído e microfonia, sobressaem-se as assobiáveis "Debris Slide" e "Box Elder", que fariam parte do setlist dos shows da banda até seu fim, decretado em 1999.
Os outros discos do pacote são relevantes porque são distribuídos no Brasil com apenas alguns meses de atraso em relação a seus lançamentos nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde o bafafá em torno deles é grande. O TV On The Radio, oriundo de Nova Iorque, não se filia às hostes garageiras ou saudosas dos anos 80 que vêm dominando o espectro sonoro da maior cidade das américas (leia-se Strokes, Yeah Yeah Yeahs, Interpol, The Rapture) e opta por um caldo sonoro de instrumentação econômica, densa e cheia de referências ao rock progressivo, com vocais de soul music.
"Young Liars" é o primeiro lançamento da banda, um disquinho de cinco músicas editado no ano passado que tem como atrativo uma inusitada versão doo wop – cheia de vozeirões de música negra e dedinhos estalando – de "Mr. Grieves", dos Pixies. "Desperate Youth...", editado no início de 2004, é o primeiro álbum "cheio" do grupo e segue as mesmas diretrizes sonoras do EP: música claustrofóbica, angustiada e angustiante, com arranjos cabecistas e letras que se pretendem manifestos, que chateia ao almejar contornos transcendentais. É som para críticos – e só para alguns deles.
O !!! é da Califórnia e tem parentesco sonoro nítido com bandas como The Rapture e Radio 4: sua razão de existir é o pós-punk de Talking Heads e Gang Of Four, que alimentavam a utopia de fazer música ao mesmo tempo intelectualizada e dançante. Na mistureba do grupo, nota-se também uma pitada de Madchester (Stones Roses, Happy Mondays). "Louden Up Now", que é o segundo álbum da banda, com suas linhas de baixo funkeadas, melodias entorpecidas e ritmos ora agitados, ora cerebrais, não funciona fora da pista de dança. Novamente, desconfie do seu crítico favorito.
O Tortoise é medianamente conhecido entre os indies brasileiros, visto que a banda já fez shows por aqui – e se apresentou ao lado de Tom Zé. "It’s All Around You", seu quinto álbum, é apenas uma reafirmação de intenções antigas do grupo: pós-rock, aquela vertente de músicas instrumentais, com guitarras, piano, xilofone e eventuais cordas num ambiente sonoro paisagístico, no ponto de intersecção entre indie rock, jazz e progressivo. A melhor faixa do disco é "Crest", com cordas exuberantes, clima oriental e guitarras esparsas.
Os cinco CDs formam um pacotão de qualidade irregular, mas que serve como aperitivo para mais discos: os catálogos da Thrill Jockey, da Touch And Go e da Drag City abrangem títulos de outras bandas dignas de nota, como Pullman, Sea And Cake, Man Or Astro-Man?, Calexico, Dirty Three, Black Heart Procession, Palace Music, Smog, Royal Trux. A Peligro ainda vai fazer a festa de muita gente.