Quem viu Iggy Pop ainda ontem cantando com gente sem talento como Green Day, Peaches e Sum 41 não teve dificuldades para constatar que o pai do punk envelheceu mal. Patrono do rock hormonal, juvenil e descerebrado, o Iguana há muito não acerta quando decide se meter no estúdio – virou um artista de apresentações ao vivo nostálgicas (ainda que extremamente energéticas) e coletâneas. Então tome mais uma: "A Million In Prizes: The Anthology" (Virgin – importado).
O novo pacote tem duas vantagens principais em relação à coletânea anterior de Iggy, "Nude & Rude" (de 1996): tem mais faixas – são 38 distribuídas em dois CDs – e dá a devida atenção a "Funhouse" (70), o excelente segundo álbum dos Stooges, representado aqui por três faixas ("Down On The Street" e versões ao vivo de "TV Eye" e "Loose") e que havia sido solenemente ignorado no best of anterior.
A tese de que o melhor de Iggy Pop está no passado distante é reforçada pela presença maciça de canções da fase considerada áurea do cantor, com 22 músicas compostas até 77, entre o primeiro álbum dos Stooges (69) e "Lust For Life", o segundo disco solo. Previsivelmente, "A Million In Prizes" mantém ordem cronológica, opção que aqui só proporciona uma desvantagem: a decadência criativa com o passar dos anos fica evidente.
Das vantagens, existe uma que é mais considerável: uma seqüência aleatória deixaria o disco duplo esquizofrênico demais, pois, ainda que a simplicidade garageira tenha norteado toda a carreira de Iggy, as canções do cantor foram embaladas em todo tipo de produção, às vezes perturbada ("Search And Destroy", "Raw Power"), hermética ("Home", "Candy", o dueto radiofônico com Kate Pierson) ou pop demais ("Real Wild Child", "Cry For Love").
O que, diga-se, tirou o lustro de muitos momentos de brilho da carreira de Iggy. O freio de mão puxado das guitarras empapuçadas de wah wah e fuzz do primeiro disco dos Stooges, estragadas pela produção de John Cale, deixou clássicos saborosos como "No Fun" e "1969" com odor datado. Ainda que engordadas por uma nova mixagem bastante superior feita na segunda metade dos anos 90, as canções de "Raw Power" (álbum dos Stooges de 73) ainda carecem de uma cozinha mais potente.
Quando estúdio e artista acertaram suas diferenças, os resultados demonstraram o quanto o rock tosco pode ser sublime: "Funhouse" ainda soa agressivo e sua gravação não envelheceu um dia. É o melhor retrato da segunda banda mais influente da história do rock, superada no quesito importância apenas pelos Beatles. "The Idiot" (77) e "Lust For Life", com amostragem farta em "A Million In Prizes" (vai desde o rock elegante de "Some Weird Sin" e a viagem crooner de "Tonight" até a escuridão com clima de bordel de "Sister Midnight" e "Nightclubbing"), casaram melodias memoráveis e retratos impiedosos de decadência com a produção gélida de David Bowie, fascinado à época com as possibilidades do pop alemão – não por coincidência, os discos foram gravados em Berlim.
O que veio depois de 78, mesmo quando mais inspirado ("I Need More", "Skull Ring"), não foi o Iggy Pop que mudou a vida dos integrantes de Television, Sex Pistols, Clash, Smiths, Hüsker Dü, Sonic Youth, Pixies, Mudhoney, White Stripes, Strokes, Libertines... Que Iggy influenciou praticamente todo mundo, você já sabia. Se a sua coleção de CDs é minimamente confiável, você já tem pelo menos 50% do conteúdo de "A Million In Prizes". Então, pra que antologia? Bem, sempre tem por aí algum moleque tapado que acredita que "Nevermind" mudou alguma coisa...