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Hora de virar o jogo

09 jul 2004 às 11:00

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Se a disputa entre Grã-Bretanha e Estados Unidos, as duas terras que mais consomem e produzem rock no planeta, para revelar novas bandas fosse uma partida de futebol, dava para dizer que nos últimos anos os ianques vinham dando de goleada. Afinal, enquanto a América do Norte oferecia ao mundo novatos maravilhosos como White Stripes, Queens Of The Stone Age, ...Trail Of Dead, Strokes, At The Drive-In e Interpol, as ilhas da rainha tinham que recorrer a veteranos (Radiohead), a bandas novas de qualidade, mas superestimadas (Libertines, Coldplay), ou a outras muito menos do que especiais (Doves, Starsailor).

Parece que em 2004 o jogo está mais favorável aos britânicos, que esboçam uma reação. O CD de estréia do escocês Franz Ferdinand, que saiu no início do ano, já passou do 1 milhão de cópias vendidas – mais do que "Room On Fire", dos Strokes, por exemplo. Agora, num intervalo de poucas semanas, saíram de uma vez os primeiros álbuns de três badaladas novas bandas inglesas, Razorlight, Hope Of The States e Ordinary Boys. Todos elogiadíssimos. Será suficiente para virar o jogo?

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Dos três, o londrino Razorlight é o melhor. "Up All Night" (Vertigo – importado) foi precedido por declarações arrogantes do vocalista Johnny Borrell, que alardeou que sua banda era uma das melhores coisas a surgir na história do rock, espinafrou a concorrência e chamou o próprio trabalho de "clássico" com apenas alguns singles lançados. Há que se relevar – de John Lennon a Oasis, o rock britânico sempre foi afeito ao blá blá blá.

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Embora seja difícil preencher as expectativas geradas por tamanha arrogância, "Up All Night" é desde já um dos discos do ano. As 13 faixas do CD lembram muito Strokes, só que mais pesado e melhor produzido. O repertório é composto de pauladas garageiras dançantes, com paradinhas bem colocadas, as inevitáveis baladas e aquela angústia adolescente (não confundir com a choradeira de grunges, new metaleiros e emocores, por favor) que só o rock consegue traduzir em música.

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As referências são ótimas e vão de Clash ("Stumble And Fall", "Rock’n’Roll Lies") e Buzzcocks ("Rip It Up") a Velvet Underground: "In The City" começa calminha, com vocais falados, e vai acelerando, naquela dinâmica deliciosa dos primeiros discos da ex-banda de Lou Reed. No final, vira rock ortodoxo, com corinhos entoando "alright, alright", Velvet puro. Nas lentinhas, o destaque é a faixa título, de refrão doce e final banhado numa cascata de guitarras pesadas. Esqueça o falatório de Borrell e arrisque.


O Hope Of The States, que vem de Chichester, vai numa praia totalmente diferente. O grupo se inspira na segunda fase dos norte-americanos do Mercury Rev, que, a partir do álbum "Deserter Songs" (1998), inundaram seu rock básico com orquestras, pianos e arranjos luxuosos, cheios de alusões ao rock progressivo. O Hope Of The States foi projetado a partir de um marketing involuntário triste: em janeiro, um dos guitarristas da banda, Jimmi Lawrence, foi encontrado enforcado no estúdio onde o grupo gravava seu primeiro disco.

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Alguns resenhistas opinaram que "The Lost Riots" (Sony – importado), o tal álbum de parto complicado, reflete o baque proporcionado pelo suicídio do guitarrista. Mas a verdade é que o disco já estava praticamente pronto quando Lawrence foi encontrado morto – a única pendência nas gravações era o registro das cordas. A primeira faixa, a instrumental "The Black Amnesias", dá a errônea impressão de que o Hope Of The States é outro adepto do pós-rock, na linha Mogwai.


O clima muda a seguir, privilegiando baladas tristes e arranjos grandiosos, preciosistas. O resenhista do New Musical Express descreveu "The Lost Riots" como a reinvenção da roda, e não se pode deixar de notar uma certa pretensão nas intenções da banda. Afinal, existem discos que não conseguem disfarçar a ambição de soarem clássicos. O Hope Of The States sabe pesar, como prova "The Red The White The Black The Blue", mas para cada melodia iluminada, como as lindas "66 Sleepers To Summer" e "Sadness On My Back", existe um momento que não vinga a pretensão ("Me Ves Y Sufres", "Don’t Go To Pieces"). No final das contas, é uma estréia acima da média, mas para reinventar a roda faltou muito.

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Pelo menos ainda é melhor do que o Ordinay Boys, bandinha de Brighton que debuta com "Over The Counter Culture" (B-Unique - importado). O grupo tenta recriar glórias passadas do rock britânico, como The Jam e a fase britpop do Blur, mas acaba soando como uma dessas bandas vagabundas de filmes teen dos Estados Unidos. Fica um ótimo single ("Talk Talk Talk"), nove exemplares previsíveis de rock e dois momentos de ridículo explícito – a baba "Just A Song" e o detestável ska "Little Bitch". Se depender de porcarias como Ordinary Boys, os britânicos vão continuar tomando goleada dos ianques.


ERRO

Erro não deixa de ser erro só porque fica velho: o leitor Victor Cruz alertou que o guitarrista Omar Rodriguez, do Mars Volta, ao contrário do informado por esta coluna no texto "Made In Texas", de 4 de julho do ano passado, é porto-riquenho, não cubano. Tá corrigido.


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