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Na idade das concessões

11 jun 2004 às 11:00
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Se você pensar bem, o tal do Acústico MTV era uma idéia bem legal. Pega-se uma banda ou artista com alguns discos no currículo, coloca-se num palco e canções são recriadas com violão, baixo, bateria e saliva. O resultado é um show simples, intimista, divertido, que rende um especial de TV interessante. Ele passa uma, duas vezes, você grava pra ver de vez em quando e a vida segue adiante. Quem não gostaria que sua banda favorita gravasse um especial desse tipo? Se ainda sair um CDzinho, fica como lembrança.

O problema é que no Brasil calhou do formato ser redefinido em um infeliz divisor de águas. O "Acústico MTV" (1997) dos Titãs trocou simplicidade por eloqüência e redesenhou os chamados desplugados numa fórmula deveras burocrática: cenário grandioso e brega, uma penca de convidados que pouco acrescentam às canções, releituras adocicadas, timbragens imperdoavelmente cristalinas de violão, músicos contratados, arranjos de cordas óbvios com pretensões "adultas", inéditas para encher lingüiça, hits batidos, resgate de músicas obscuras do repertório não para jogar luz no que tinha passado despercebido, mas para enganar o fã fiel: "veja como a gente é ousado, ao invés de gravar um sucesso, fomos atrás da quarta música do lado B daquele disco que ninguém comprou!".

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A receita virou sinônimo de sucesso – a não ser que você se chame Marina Lima. O quarteto paulistano Ira!, que até ontem não tinha nada a ver com essa baixaria, lança agora seu acústico (CD e DVD da Sony; o DVD tem 19 músicas e o CD, 16) e reafirma seu quadro clínico de fadiga criativa ao gravar seu terceiro projeto revisionista em menos de cinco anos. Em 1999, o grupo soltou "Isso É Amor", interessante disco de versões que relia Gang 90, Ronnie Von e Lô Borges. No ano seguinte, veio um "MTV Ao Vivo", este elétrico, que mantinha o pique e passou das 100 mil cópias vendidas. Aí o Ira! gravou o inédito "Entre Seus Rins" (2001), que não vendeu nada. Pouco depois, o quarteto ficou sem gravadora.

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No segundo semestre do ano passado, quando começava a voltar à semi-obscuridade, a banda abortou um disco de inéditas e decidiu encarar o acústico. Como se Nasi (vocais), Edgard Scandurra (guitarra), Gaspa (baixo) e André Jung (bateria) sentissem que para recuperar sua popularidade era necessário congelar sua carreira, para que depois ela pudesse ser retomada.

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A produção é de Rick Bonadio, o homem que formatou enganações como Br’oz, Rouge, Charlie Brown Jr, O Surto e Tihuana, e que é parecido com a MTV: não entende nada nem gosta de música, mas sabe fazer dinheiro. Numa primeira impressão, o "Acústico MTV" do Ira! é odioso como todos os outros. Isso porque suas faixas emblemáticas, aquelas que devem virar músicas de trabalho e que a MTV está usando nos comerciais, ficaram realmente ruins.


"Pra Ficar Comigo" é uma constrangedora versão em português de "Train In Vain (Stand By Me)", do Clash: não bastasse a ruindade da letra, o arranjo transforma a gana de Mick Jones em rumba de publicitário. "O Girassol", do disco "7" (1996), parece Capital Inicial. Desconhecida e ruim, faz pensar que o Ira! certamente tinha coisa melhor no seu repertório para resgatar. "Flores Em Você" aparece tão fru-fru quanto o original, mas transmuta classicismo em brega puro.

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Mas uma audição atenta de "Acústico MTV" dispersa parte dessas más impressões, e, lá pelo miolo, o CD quase decola. Apesar das releituras desastradas de alguns hits, como "Dias de Luta", que virou um flamenco inadequado, e "Núcleo Base", que dá um encerramento sem sal ao disco, o quarteto acerta ao rever algumas faixas conhecidas, principalmente quando não mexe muito nas estruturas originais – vide "Tanto Quanto Eu" e "15 Anos".


As inéditas valem mais pelas melodias, já que as letras de Scandurra nunca foram grande coisa e não estão melhorando com os anos. "Flerte Fatal", manhosa e envolvente, se garante apesar do péssimo refrão, e "Poço de Sensibilidade" mostra que talvez o fã ganhasse mais se o Ira! tivesse optado por insistir no tal disco inédito. O melhor momento do álbum é a versão de "Por Amor", de Zé Rodrix, em que Nasi entrega sua melhor interpretação em muitos anos. Pode virar clássico do repertório da banda.


Os inevitáveis convidados atingem resultados desiguais. Samuel Rosa mostra inaudita sutileza no começo da linda "Tarde Vazia", mas estraga tudo no final, quando erra feio na afinação e nos lembra porque a gente deve desprezar o Skank. Pitty, que entra fácil em qualquer lista das cinco piores coisas que já surgiram na história do rock brasileiro, até que se sai bem: ao invés de proporcionar o desastre habitual, está apenas inútil no final da bela e esquecida "Eu Quero Sempre Mais". Os Paralamas soam igualmente desnecessários em "Envelheço Na Cidade", que tenta parecer uma celebração de amigos mas naufraga numa certa frigidez musical. E Herbert Vianna conseguiu errar a ponte (o trecho que antecede o refrão) três vezes.

No fim, o "Acústico MTV" do Ira! não escapa da obviedade: teria sido bem melhor se tivesse atendido à proposta original do programa, e se livrado de um sem-número de muletas. Mas o Ira! infelizmente está num ponto da carreira em que precisa fazer concessões. No fim das contas, não se trata de um disco ruim, porque é no mínimo uma coletânea de ótimas canções. E o Ira! é um dos poucos grupos do rock nacional que conseguiram fazer um nome com músicas pulsantes, passionais e realmente relevantes – características que alguns fãs descrevem pateticamente como "honestidade".


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