Ah, as edições comemorativas. Sem elas, o que seria do rock, este gênero musical tão passadista? Este ano tem sido especialmente rico em relançamentos: já saíram reedições de "Definitely Maybe", do Oasis, do Álbum Azul do Weezer, de "Crooked Rain Crooked Rain", do Pavement, de "Grace", de Jeff Buckley, de "London Calling", do Clash... Edições que aproveitaram datas redondas – 10 anos de lançamento de todos os álbuns em questão, exceto o do Clash, que completou 25 anos de chegada às lojas.
Considerando-se o capricho de alguns destes pacotes, tais reedições podem até ser picaretagem, mas bem feita. O selo independente ianque Matador, por exemplo, adicionou 37 faixas às 12 originais de "Crooked Rain" no CD duplo "Crooked Rain Crooked Rain: LA’s Desert Origins", que chegou em outubro às lojas dos Estados Unidos. Este material extra, gravado entre 1993 e 94, é composto de lados B de singles, músicas que haviam aparecido em coletâneas, versões alternadas de canções já conhecidas e algumas inéditas.
É claro que certas faixas não deixaram de ser incluídas no disco à toa (afinal, sobras são chamadas de sobras por alguma razão, pois não?), e "LA’s Desert Origins" tem muita coisa inútil e/ou que não passa do status de mera curiosidade: instrumentais sem sal, a virulência chata de "Fucking Righteous" – que remete aos primeiros EPs do Pavement -, ruídos e mais ruídos.
Mas há lados B consistentes e divertidos, como a sombria "Haunt You Down" e os rockinhos "Coolin’ By Sound" e "Raft", e três canções inéditas em especial que são melhores do que muita coisa que entrou nos discos da banda: a épica "All My Friends", a romântica "Soiled Little Filly" e a vibrante "Hands Off The Bayou". Algumas sobras do Pavement são melhores do que as discografias inteiras de certos grupos. Entre as músicas já conhecidas, a versão embrionária de "Grounded" iguala o brilho da gravação definitiva, que apareceria em "Wowee Zowee" (1995), e o registro de "Pueblo" no programa do DJ John Peel – falecido recentemente – na BBC em 94 dá de goleada na versão que seria lançada no ano seguinte.
A embalagem luxuosa e o livreto generoso, de 40 páginas com fotos da banda e textos assinados por Stephen Malkmus e pelo guitarrista Scott Kannberg, são fetiche irresistível para os fãs. Não-iniciados também podem chegar sem medo: "Crooked Rain" flagrava o Pavement em momento ascendente, registrando de forma mais polida e profissional os eflúvios de Velvet Underground que sempre o assombraram. É até hoje o álbum mais popular da banda, o que contém os hits indies "Cut Your Hair", "Gold Soundz" e "Range Life", e está num patamar de qualidade próximo ao do histórico "Slanted And Enchanted" (1992), que também ganhou reedição comemorativa, há dois anos.
Igualmente caprichado na embalagem, mas não tão empolgante musicalmente, "Grace – Legacy Edition" (Columbia – importado) rememora os 10 anos de lançamento do único álbum lançado pelo norte-americano Jeff Buckley. O cantor deixou uma obra reduzida ao morrer afogado num rio em 1997, mas um número suficiente de gravações para rechear uma série de lançamentos póstumos.
O álbum original é um dos melhores dos anos 90, na forma como os vocais exagerados de Buckley (grande influência de Thom Yorke, do Radiohead, e dos maletas do Muse e do Coldplay) são derramados sobre folk (a versão de "Hallelujah", de Leonard Cohen), soul ("Lover, You Should’ve Come Over"), pop ("Last Goodbye") e rock psicodélico ("Dream Brother", "Mojo Pin"). Pena que o material extra não esteja à altura.
O pacote inclui um segundo CD, com sobras das sessões de gravação do álbum, e um DVD. Os atrativos do disco são uma inédita, a balada soul "Forget Her", e três boas versões, "Lost Highway", de Hank Williams, "Mama, You Been On My Mind", de Bob Dylan, e "The Other Woman", consagrada na voz de Nina Simone. E pára por aí. Entre vários momentos dispensáveis, a extensa leitura de "Kanga-Roo", do Big Star, que passa dos dez minutos, é um teste para a paciência, e as covers de "Kick Out The Jams" (MC5) e de "Alligator Wine", conhecida na gravação de Screamin’ Jay Hawkins, soam como patéticas macaqueações dos originais.
O DVD traz os cinco clipes da carreira de Buckley e um documentário de cerca de meia hora sobre as sessões de "Grace", com depoimentos do produtor Andy Wallace e dos integrantes da banda de apoio do cantor. É uma opção mais interessante do que o segundo CD, ainda que não justifique a fortuna que o admirador mais desesperado vai pagar na importadora. É uma pena. A família de Buckley perdeu a oportunidade de explicar a real dimensão de um álbum histórico a uma geração que nunca ouviu falar de "Grace".