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Rock do subconsciente

18 jun 2004 às 11:00
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Em 2000, o Sonic Youth veio com um papo de que seu então novo disco, "NYC Ghosts & Flowers", seria o primeiro capítulo de uma trilogia de álbuns sobre a cidade de Nova Iorque. O teor conceitual dessa trinca, completada por "Murray Street" (2002) e "Sonic Nurse" (Universal), este último recém-lançado em todo o mundo, é nebuloso, visto que a temática das canções não difere de nada que a banda tenha produzido liricamente no passado: são os mesmos retratos em tons depreciativos da vida de celebridade, as canções de amor ora singelas ora com nuances psicóticas, a inspiração na literatura beat.

Mas se existe um grupo no pop atual que pode bancar a pretensão de encapsular Nova Iorque num disco de rock, ainda é o Sonic Youth. O som da banda, desde o início desta década um quinteto – o produtor Jim O’Rourke foi agregado à trupe -, resume a ética dos conjuntos da cidade, que, de Kiss a Strokes, passando pelos Ramones, é fértil na produção de grupos que fazem discos recorrentes – eufemismo safado do resenhista, para não falar que esse povo grava eternamente a mesma coisa.

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Assim, se "Sonic Nurse" não soa exatamente igual à podreira de álbuns dos anos 80, como "Confusion Is Sex" e "Bad Moon Rising", o espírito da música permanece o mesmo, na aglutinação de passagens melódicas e pandemônio microfonado. Com a relativa suavização que se seguiu, dá para dizer que esse novo disco poderia ter saído em 1989, 96, 99 ou 2001 sem engano.

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O Sonic Youth também sempre encarnou Nova Iorque ao caminhar na intersecção entre o pop descarado, não raro de faceta kitsch, e a pretensão da vanguarda nova-iorquina. Em alguns momentos, sua popularidade podia ser percebida como algo bizarro. Em outros, a rejeição do grande público à sua música parecia uma inusitada injustiça.

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Na comparação com seus antecessores imediatos, "Sonic Nurse" não é tão bom quanto "Murray Street", que não era sublime mas provou que ainda havia vida inteligente nos pedais de guitarra castigados da banda, mas supera o fracassado "NYC Ghosts & Flowers" e é mais centrado do que o escapista "A Thousand Leaves" (1998). Ao longo dos anos, as qualidades melódicas do Sonic Youth sempre foram eclipsadas pela tempestade de dissonância, e "Nurse" valoriza exatamente a sutileza, em harmonias e timbragens limpas, quase bucólicas.


As distorções, as microfonias e as longas passagens instrumentais, cheias de improvisos e alusivas ao rock progressivo, comparecem, mas soam contidas, quase responsáveis. As melhores faixas continuam sendo as cantadas por Thurston Moore, como "The Dripping Dream", que começa preguiçosa e vai ganhando dinâmica mais roqueira, a doce "Peace Attack" e "New Hamsphire", que traz à tona a antiga inspiração velvetiana.

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A grande canção do repertório, a sinuosa "Paper Cup Exit", é a única faixa cantada por Lee Ranaldo. Já Kim Gordon segue o habitual: incoerente na impostação, acerta e chateia. A tia indie vai bem em "Dude Ranch Nurse", que traz a levada mais manhosa e sexy que o Sonic Youth produziu em muitos anos, e em "I Love You Golden Blue", em que o clima psicodélico ganha vocais quase oníricos. Mas não tem como defender "Kim Gordon And The Arthur Doyle Hand Cream", que resgata a tediosa falta de afinação, o aborrecido bafejar no microfone.


Na conclusão, o Sonic Youth é uma banda que sempre produz discos irregulares. Não existe álbum do grupo que seja prazeroso do início ao fim, visto que sempre desponta algum exagero no manejo da barulheira, algum dedilhado insistente em demasia, um vocal de Kim Gordon fora do lugar, uma introdução longa demais. Alguns foram menos irregulares, como os notáveis "Daydream Nation" (88) e "Goo" (90). "Sonic Nurse" não chega ao nível desses, mas não é fraco. Contenta-se em ser o retrato de uma banda que nunca vai mudar.

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Kim Gordon disse certa vez, em entrevista antológica ao jornalista Fábio Massari, que para apreciar as partes calmas do som do Sonic Youth é necessário sobreviver às mais violentas. Ouvir um disco da banda continua sendo uma experiência instável como um sonho, no qual nosso subconsciente nos oferece aquilo que mais ansiamos para dois segundos depois nos jogar no ventre de algo extremamente indesejado. Seria bobagem não esperar algum absurdo de uma banda de velhos que se chama Juventude Sônica.


LANÇAMENTOS

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Keane – "Hopes And Fears" (Universal)


Pois então 2004 está virando 1995. Quando uma banda derivativa e insípida como o Keane se torna a maior sensação do rock inglês, assim como naquela época o Oasis era visto como a salvação da lavoura, é sinal de que alguma coisa está errada. O Keane se sustenta numa formação pouco convencional para o rock – bateria, voz e piano, sem guitarra ou baixo – e na voz de menino de coral de Tom Chaplin. O trio compõe canções adocicadas, das quais as mais toleráveis são as duas primeiras, "Somewhere Only We Know" e "This Is The Last Time", e se afunda na bunda-molice e no tédio melódico. Se tivessem atingido o objetivo original, que era imitar Coldplay, não teriam conseguido grande coisa. Mas para piorar, ficaram mais com cara de Air Supply.
Para quem gosta de: Coldplay, David Gray, Starsailor.


Wander Wildner – "Pára-quedas do Coração" (Independente)

É fácil de entender porque alguns jornalistas elogiam o músico gaúcho Wander Wildner. Ele é feio, é um dos perdedores dos anos 80 e nunca vai fazer sucesso. Neste quarto álbum solo, o ex-Replicantes apenas conta piadas antigas: portunhol óbvio, baladões, letras que tentam ironizar o brega e ficam sem graça nenhuma. E quem não tem talento, mexe em música dos outros (horrendas versões de "Candy", de Iggy Pop, e de "I Believe In Miracles", dos Ramones) ou no próprio passado ("Hippie-Punk Rajneesh", dos Replicantes, "Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro"). Se juntar o povo que gosta, deve dar umas 300 pessoas – das quais 50 são jornalistas.
Para quem gosta de: Odair José, rock gaúcho.


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