Ainda que não tenha batido nem de longe tão forte quando Strokes e White Stripes, as vedetes do ano anterior, o quarteto londrino Libertines foi o hype máximo da imprensa britânica em 2002. Houve quem saudasse a chegada do som garageiro da banda como a salvação dentro do atual rock praticado na terra da rainha, onde nove em cada dez novos grupos imitam Radiohead e as baladinhas melancólicas predominam.
Seu primeiro CD, "Up The Bracket" (Rough Trade – importado), foi lançado em outubro na Inglaterra e saiu nos Estados Unidos há três meses. A Virgin estuda uma edição brasileira para os próximos meses. A imprensa britânica, óbvio, incensou o disco, e sua babação foi escudada por gente graúda, como Gordon Raphael, produtor dos Strokes, que saiu de um show do quarteto em Londres quase aos prantos: "É como conhecer os Beatles quando eles tinham 18 anos".
É claro que quem for escutar "Up The Bracket" irá com o pé atrás – assim como muita gente de cérebro criticou Strokes e White Stripes no piloto automático só por causa do hype. No caso, é sempre importante relevar a badalação, porque por puro preconceito o ouvinte pode deixar de ter acesso a algo valoroso. E esses mesmos críticos que costumam detratar qualquer banda que vem ancorada em ondas e modas costumam ser os mesmos que adoram Nirvana, a banda mais superestimada do mundo e que foi alvo do hype mais bem sucedido da história do rock.
A edição americana de "Up The Bracket" traz uma faixa a mais em relação à inglesa, o single "What A Waster". A paixão dos moleques é mesmo o punk inglês a partir da safra 77 – Buzzcocks, The Clash (inclusive, Mick Jones produziu o álbum) e principalmente The Jam. Mesmo quando descem o cacete, bandas britânicas não costumam soar tão agressivas quanto as americanas, mas a farra está garantida pelas guitarras econômicas, que disparam farpas de riffs, e pelos vocais bêbados, recheados de sotaque, de Pete Doherty e Carl Barât.
Paul Weller, vocalista do The Jam, parece ter assinado faixas como "Boys In The Band", "What A Waster" e "The Boy Looked At Johnny", que, apesar de ótimas, pecam justamente por soarem decalcadas demais. Os Libertines se saem bem melhor quando fazem música pra dançar, como na abertura, "Vertigo", ou quando apertam o pedal de distorção com vontade, na matadora "Horror Show", na faixa-título e em "I Get Along".
Também divertem ao imitar os Strokes com competência em "Death On The Stairs" – quem ouvir as estrebuchadinhas ao microfone vai achar que é Julian Casablancas. Em meio a muito rock de garagem, com alguma podreira, duas faixas são estranhas no ninho: "Radio America" é uma baladinha ao violão, singela e com harmonias vocais, e a esquisita "The Good Old Days" dá uma pinta de como os Libertines soariam se tentassem ser psicodélicos.
No fim das contas, "Up The Bracket" é um disco divertido de uma banda evidentemente superestimada, que ainda busca sua personalidade e corre o sério risco de ser grande. Ignore o seu ódio aos hypes.
Placebo – "Sleeping With Ghosts" (EMI)
Em seu quarto disco, a banda inglesa liderada pelo vocalista e guitarrista Brian Molko não arrisca: segue gravando os mesmos rocks pesados e melancólicos, entremeados por baladas igualmente depressivas, e riffs com alusão ao glam rock. Saem de cena alguns detalhes eletrônicos que estragaram boas canções em "Black Market Music" (2000), Molko faz bom uso de sua voz estridente, a formação em power trio produz pauleiras consistentes, mas... Há uma certa carência de inspiração, e nenhuma destas doze faixas iguala as pérolas que o Placebo já soube compor, como "Every You, Every Me" ou "They Don’t Care About Us". Em meio a muita choradeira ("Something Rotten", "This Picture"), o grupo se salva quando senta a pua, como na instrumental "Bulletproof Cupid" e no single "The Bitter End".
Para quem gosta de: Smashing Pumpkins, Radiohead fase "The Bends".
Transistors – "In Transfuzzion"(Bizarre Music)
O bem sacado trocadilho do título do álbum dá a idéia do que esperar da estréia desde trio paulistano (fuzz é o pedal de guitarra idolatrado pelos garageiros americanos dos anos 60): rock de garagem, ortodoxamente temperado com órgão e apropriadamente gravado nas coxas. As letras são em inglês e as melodias evitam a sofisticação, o que justifica a pretensão do grupo de soar como uma banda saída da coletânea "Nuggets" (lançada nos anos 70, que reunia vários grupos obscuros ianques da década anterior e que acabou influenciando a criação do punk rock). Às vezes, os teclados e os vocais tímidos lembram chatices contemporâneas como Stereolab, mas são pecados menores. Para comprar: www.bizarremusic.com.br.
Para quem gosta de: Sonics, Jon Spencer Blues Explosion, Make Up.
ERRATA
O texto sobre o Blur da semana passada tinha três erros. Primeiro, qualquer um que comprou "Think Tank" reparou que, ao contrário do que diz o começo do texto, o nome da banda não aparece na capa. Segundo, o disco tem só treze faixas, porque a faixa escondida foi limada da edição nacional do CD. Terceiro, decorrente do segundo erro, a música citada no final que é "interminável" e que "melhora na segunda metade" é na verdade "Me White Noise", justamente a faixa escondida que acabou cortada.