Ao defender na terça-feira (21) um segundo mandado de prisão para Alberto Youssef, o juiz federal Eduardo Appio utilizou um ponto específico do relato feito por agentes da Polícia Federal sobre o momento em que eles foram prender o doleiro, em Itapoá, no litoral norte de Santa Catarina, no início da noite de segunda (20). Os agentes da PF informaram que, no endereço indicado para cumprir a ordem de prisão de Youssef, duas crianças disseram que o doleiro era "dono de todos aqueles prédios", mas não morava lá.
O relato levou o juiz Appio a apontar "seríssimos indícios de que Alberto Youssef tenha sonegado das autoridades judiciais e fiscais a verdadeira posse e propriedade dos prédios", indicando que "o investigado estaria envolvido em novas práticas delitivas, especialmente crimes contra a ordem tributária".
Os dois mandados de prisão contra Youssef, um dos pivôs da Operação Lava Jato, foram assinados pelo juiz Appio entre segunda e terça e acabaram derrubados por um magistrado de segunda instância, Marcelo Malucelli, do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). O doleiro não ficou mais de 24 horas preso. O juiz Appio atua na 13ª Vara Criminal de Curitiba, onde estão abrigados os processos remanescentes da Lava Jato.
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No relato de três páginas feito pela PF sobre o momento da prisão de Youssef em Itapoá, os agentes dizem que foram primeiro a um pequeno condomínio, com dois blocos, de dois andares cada, "aparentemente idênticos e ostentando aparência de simplicidade".
"No exato momento em que a equipe policial chegou ao local, um residente encontrava-se abrindo manualmente o portão para guardar seu veículo, oportunidade em que foi questionado acerca da ciência de que pessoa de nome Alberto residiria em algum dos apartamentos, ou seria conhecido, tendo informado negativamente", dizem os agentes da PF.
"Nesse mesmo lapso, duas crianças (aparentando cerca de 8 anos cada), que ouviram o questionamento formulado pelos agentes da PF, voluntariamente disseram que o Alberto era dono de todos aqueles prédios, mas que não morava ali, sendo que seu irmão, de nome Antonio, morava em casa (...) que se comunicava internamente com o condomínio", completaram.
Os agentes foram na casa indicada pelas crianças e falaram com a esposa de Antonio, que informou que Youssef morava em uma casa próxima, localizada em um condomínio à beira-mar, onde de fato os agentes da PF depois encontraram Youssef e cumpriram a ordem de prisão.
Audiência
Youssef foi levado para Curitiba ainda na noite de segunda-feira e, no dia seguinte, o juiz Appio conduziu uma audiência de custódia. Nela, o magistrado questionou Youssef sobre os apartamentos: "Esses apartamentos estão registrados no seu nome, no nome do seu irmão ou de uma terceira pessoa?". Youssef respondeu que "esses apartamentos são deles [família do irmão] há muitos anos". "Não fico perguntando isso pra eles, mas acredito que deva estar no nome deles [do casal], das filhas", disse o doleiro.
Youssef também explicou que o imóvel à beira-mar onde mora está "totalmente encrencado com IPTU e com uma série de pendências" e que, por isso, a casa não chegou a entrar na lista de bens que renunciou a favor da União no bojo do acordo de colaboração premiada feito no âmbito da Lava Jato.
Segundo o advogado de Youssef, Luis Gustavo Rodrigues Flores, a ideia é que o destino do imóvel seja discutido futuramente, quando as pendências estiverem solucionadas.
Durante a audiência de custódia, que durou
cerca de uma hora, a representante do Ministério Público Federal, a
procuradora da República Carolina Bonfadini de Sá, criticou o fato de o
juiz Eduardo Appio ter colocado a questão dos prédios naquele momento.
"O objetivo da audiência de custódia não seria este.
Seria apenas o de averiguar a legalidade da prisão", disse a procuradora, que recentemente pediu que o juiz Appio se declarasse suspeito para atuar na Vara da Lava Jato. "Quem está presidindo a audiência sou eu, doutora. Vai ficar registrada a sua insurgência", disse o magistrado na sequência.
Para a procuradora, a prisão de Youssef determinada de ofício pelo juiz foi ilegal e abusiva.
Para justificar seu primeiro mandado de prisão contra Youssef, o juiz Appio argumentou que o doleiro não mantinha endereço atualizado na Justiça Federal. Além disso, o magistrado resgatou uma representação fiscal da Receita Federal que tratava de possíveis crimes praticados por Youssef contra a ordem tributária, e que estava suspensa desde maio de 2020 por determinação da juíza federal substituta Gabriela Hardt, na esteira dos benefícios obtidos pelo doleiro em seu acordo de delação.
Para o juiz Appio, a representação fiscal não deveria integrar o acordo de colaboração premiada. Mas, na audiência de custódia, a defesa de Youssef contestou a informação, indicando decisões do Supremo Tribunal Federal para mostrar que "todos os fatos relacionados no termo de verificação fiscal são anteriores ao acordo de colaboração e, portanto, são crimes abarcados pela colaboração premiada".
Defesa
"Todos estes bens, imóveis, aviões, helicópteros, estão indicados nos autos do acordo de colaboração premiada, em que ele [Youssef] renunciou a favor da União. Inclusive temos mais bens nos autos do acordo do que aqueles mencionados no termo de verificação fiscal, o que demonstra a boa-fé do colaborador", disse o advogado Luis Gustavo Rodrigues Flores.
Em relação ao endereço do doleiro, que estaria desatualizado na Justiça Federal, a defesa de Youssef afirmou que o local da casa à beira-mar em Itapoá está expressamente informado no processo de execução penal que tramita na 12ª Vara de Curitiba.
Desde 13 de maio de 2022, no âmbito da execução penal, o doleiro foi autorizado a cumprir prisão domiciliar em dois endereços, um em São Paulo e outro em Santa Catarina, em Itapoá, onde cumpre uma rotina de trabalho no porto da cidade, em funções administrativas e operacionais, segundo Flores.
Ainda de acordo com o advogado, não houve atualização de endereços nos demais processos porque os casos estão suspensos.
"Apresentamos relatórios de atividades semestrais à 12ª Vara. Youssef é uma pessoa que está buscando a sua reinserção social, encontrou um trabalho honesto, e não há elemento nenhum que nos permita dizer que ele está reincidindo em conduta criminosa. As questões todas trazidas na representação fiscal são anteriores ao acordo de delação. Não está correto dizer que ele cometeu novos crimes", disse o advogado.
O advogado de Youssef não retornou aos contatos da reportagem. O doleiro foi liberado da prisão por volta das 21h desta terça-feira.