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Crônica de uma morte anunciada

02 nov 2004 às 11:00

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O título que remete a uma das principais obras do grande escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez não poderia ser mais apropriado. Tudo indica que Serginho, os médicos do São Caetano e do Incor e até seus colegas de time sabiam do problema congênito no coração. Mas não consideraram isso motivo suficiente para que o jogador abandonasse os gramados.

Depois do ocorrido é muito fácil bancar o fiscal de obra pronta e acusar este ou aquele como o responsável pela morte ao vivo nas televisões de todo o país. Difícil é rediscutir a organização dos campeonatos ou o aumento do esforço físico a que os atletas são submetidos. De uma hora para outra os brasileiros, com destaque para alguns ditos jornalistas, passaram a ser especialistas em atendimento de emergência e doutores na aplicação adequada de desfibriladores. Vestidos no papel de investigadores a serviço da sociedade, esse jornalistas formam um verdadeiro bando de supostos perdigueiros atrás da verdade por trás do fato. Mas não passam de uma matilha de pit-bulls sedentos de sangue.

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Serginho morreu mas ele é na verdade quem menos importa nesta história toda. O principal mesmo são os pontos do Ibope conquistados a custa da super-exposição dos familiares do jogador, da polêmica alimentada a cada momento por médicos sem a menor noção de ética que vêm a público questionar o trabalho de seus colegas. Ética aliás que também tombou no gramado do Morumbi na lamentável noite da última quarta. Dia em que até a lua escondeu-se de vergonha.

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Desde então segue-se uma interminável caça às bruxas, enquanto não acontece uma tragédia maior e que dê mais audiência. Com isso, perde-se a oportunidade de uma discussão séria e bem fundamentada – se é que isso é possível no esporte brasileiro – sobre a importância dos exames médicos e sobre os excessos da carga física e emocional a que os atletas são submetidos ao longo do extenso calendário esportivo.

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Ninguém garante que Serginho tenha sido devidamente avisado sobre os riscos que corria, se de fato os médicos chegaram à conclusão sobre a necessidade de interromper sua carreira. E mesmo que tenha sido avisado, que preparo teria ele para decidir realmente parar? Que apoio teria de seu clube se encerrasse a profissão por motivos de saúde? Como impedí-lo de optar por jogar mais algum tempo – sua única garantia de renda – ainda mais com um filho pequeno para criar e uma numerosa e necessitada família para auxiliar?


Sem a palavra do próprio jogador é praticamente impossível apurar a responsabilidade por sua morte. Resta o papel das autoridades competentes na definição do eventual dolo ou culpa de cada envolvido. Da mesma forma, cabe ao Conselho de Medicina a avaliar a atuação dos médicos no diagnóstico e prevenção, sem falar no atendimento de emergência que pareceu ser adequado – apesar do nervosismo evidente durante a ação (e quantas pessoas manteriam a calma durante um atendimento que obrigasse a execução de massagem cardíaca e respiração artificial).

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É importante avaliar também qual o papel do aumento do esforço físico – um atleta hoje em dia corre muito mais do que há vinte ou trinta anos – no aumento dos casos de morte súbita (curiosamente nome popularmente adotado para o oficialmente chamado Gol de Ouro) de atletas de elite nos últimos anos. Seria o caso de reduzir o tempo de jogo ou aumentar o intervalo mínimo entre uma partida e outra?


Questões que merecem ser avaliadas com calma e bom senso e não sob a ótica própria de urubus adotada por grande parte da mídia, técnicos de futebol e médicos atrás de alguns minutos de fama. Por falar no brilho dos holofotes, Serginho só os desfrutou plenamente a partir do momento em que não podia mais aproveitá-los.

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Nota 10


Para as sinceras – e raras – demonstrações de carinho e auxílio à família de Serginho. Luis Carlos Capixaba, por exemplo, se dispôs a pagar o transporte dos pais e irmãos do jogador enquanto o São Caetano não se manifestava.


Nota 0

Para a mídia sensacionalista e hipócrita pela espetacularização da notícia.


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