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Caso “Já acabou, Jéssica?”: limite entre meme e perseguição digital preocupa especialistas

CV Bonde
16 jun 2022 às 11:44
- Imagem de Derpy CGpor Pixabay

O fenômeno das redes sociais é amplamente estudado e discutido pela sociedade e especialistas ao redor do mundo: por um lado, o contato à distância com amigos, familiares, colegas, além de amizades virtuais e potenciais parceiros românticos uniram a humanidade de forma nunca antes vista. Por outro, este constante fluxo de informações, imagens editadas, ideias repetitivas e algoritmos de entrega podem, comprovadamente, potencializar a ansiedade, pressões sociais, afetar o funcionamento do cérebro e até modificar o resultado de processos democráticos.


Os memes, nome emprestado dos livros de biologia de Richard Dawkins, são vídeos ou imagens que se espalham rapidamente pela internet - usando alguma emoção como gatilho, geralmente o humor - modificando-se rapidamente. Normalmente, os memes são divulgados em massa em redes como o WhatsApp e Facebook, e vão se transformando de mão em mão com novas ideias, assim como o velho ditado popular: “quem conta um conto aumenta um ponto”. Mas apesar de parecerem inofensivos e engraçados, eles também expõem um dos maiores problemas sociais que enfrentamos hoje. Entenda

Redes sociais e a privacidade

As redes sociais são plataformas dedicadas à interação entre seus usuários, e rapidamente se tornaram gigantes da internet, dominando nosso cotidiano de forma alarmante. No Brasil, o Orkut criado em 2004 e popularizado em 2006 foi o pontapé inicial para a disseminação deste tipo de site. Unindo pela primeira vez antigas turmas da faculdade, familiares perdidos, comunidades de futebol, entre outras brincadeiras, o Orkut também foi, de acordo com pesquisadores de universidades federais, um dos principais responsáveis por notícias falsas perigosas como a associação da vacina do sarampo com doenças mentais.


A chegada rápida deste universo digital não permitiu que nossa sociedade se adaptasse por completo às medidas necessárias para proteger nossa privacidade, como lista a ExpressVPN, especializada em problemas de segurança e privacidade online. Para a geração dos mais novos, por exemplo, é possível que toda a sua infância e adolescência estejam


registradas em tempo real como publicações em redes sociais - públicas, expostas e disponíveis a qualquer momento. Diversos dilemas éticos e sociais são abertos graças a essa constante exposição e interação. Jovens perdem o emprego por publicações no Twitter há uma década, fotos íntimas podem ser vazadas sem consentimento gerando humilhação extrema e perseguição social, e uma situação corriqueira do cotidiano pode viralizar e ser compartilhada por todos os brasileiros - tornando a vida da vítima um verdadeiro inferno. É o caso da jovem Lara da Silva, conhecida pelo meme “Já acabou, Jéssica?” fenômeno da internet em 2015.

As consequências de um meme

Para quem encaminha o vídeo da jovem, com então 12 anos, em uma briga com uma colega de classe a situação pode parecer inofensiva - com um toque na tela o vídeo é repassado para amigos e grupos no WhatsApp, a risada pela fala e pose da garota é garantida, e outros criam mais versões, adaptações musicais, frases fora de contexto, e todo tipo de material derivado da imagem de uma jovem desconhecida na internet.


Mas para a vítima e sua família, de um dia para o outro, o cotidiano de uma vida normal é completamente roubado pelas redes sociais. Jéssica relata o processo: após tentar conviver com o bullying sofrido em decorrência do meme, sendo reconhecida na escola e nas ruas, passou a sofrer com depressão e ansiedade, dependentes de tratamento psiquiátrico, e abandonou os estudos. Em entrevista à BBC, a jovem relata: “Ninguém nunca me perguntou como tudo isso me impactou”. A adolescente e sua mãe precisaram se deslocar, três vezes por semana, mais de duas horas para receber o atendimento médico especializado e, aos poucos, retomar a saúde mental de Lara - que enfrentava o dilema entre o isolamento e a perseguição online e real.


Este não é o primeiro - e não será o último - caso de jovens vítimas de perseguições online. Na verdade, o problema parece crescer com a chegada de plataformas de vídeo como o TikTok e YouTube, promovendo que crianças e adolescentes tenham ainda mais desejo de publicar e compartilhar conteúdo online, muitas vezes, até como perspectiva de carreira.


É por isso que especialistas como a psicóloga Dora Sampaio Góes do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo pregam o equilíbrio online como uma atenção necessária dos pais e responsáveis na era moderna: não podemos acreditar que os jovens devam ser proíbidos de usar as redes, e sequer seríamos capazes de impedi-los, mas o monitoramento do tempo gasto online, o aparecimento de relações de dependência ou substituição do real pelo virtual e, principalmente, o grau de exposição online devem ser monitorados, conversados, discutidos de forma aberta e acordados entre os pais e filhos.


Além disso, é importante pregar a importância da privacidade e segurança digital, e conhecer os direitos legais da vítima: a perseguição online (stalking) ou o bullying virtual são crimes, Segundo Denise Maldonado, advogada criminalista e mestre em Direito Penal, o crime é definido pela ação reiterada de perseguição, por qualquer meio, ameaçando física ou psicologicamente a vítima, e invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade, e pode ser levado ao Ministério Público para resolução judicial.


O aparecimento de tecnologias digitais melhorou a vida de milhares de pessoas, no entanto, precisamos tomar cuidado redobrado com os riscos que novas possibilidades trazem a nós e, em especial, aos jovens. O uso moderado e seguro das redes sociais permite o equilíbrio entre saúde mental e entretenimento.

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