Profissionais da educação pública de Londrina questionam as mudanças no novo ensino médio, aprovado nesta terça-feira (9) pela Câmara dos Deputados em Brasília (DF). Os docentes afirmam que não foram ouvidos. O PL (Projeto de Lei) cria novas diretrizes, que ainda precisam ser sancionadas pelo presidente Lula para valerem a partir de 2025.
O modelo vigente foi aprovado em 2017, durante o governo de Michel Temer, e começou a ser implementado, de maneira gradativa, em 2021. No entanto, com as críticas recebidas e a pressão pelo interrompimento das mudanças, Lula suspendeu o cronograma de implementação e propôs à Câmara o novo projeto, que foi aprovado nesta terça após passar pelo Senado.
Antes de chegar ao Senado, uma consulta pública foi aberta para que professores, alunos e especialistas pudessem opinar sobre o novo ensino médio. O professor ouvido pela reportagem disse que a consulta foi feita por meio de um "google forms", o que "não permitiu o debate", segundo ele.
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Em agosto de 2023, um relatório da pesquisa, com todos os resultados e mudanças sugeridas pelo MEC (Ministério da Educação), foi encaminhado para o Senado, que propôs alterações ao projeto e repassou à Câmara.
Principais pontos
Os principais pontos de mudanças envolvem a carga horária, disciplinas obrigatórias e os chamados itinerários formativos.
Carga horária: no modelo atual, os alunos precisam cumprir 1.800 horas de formação geral básica, ou seja, com as matérias previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e 1.200 horas de matérias optativas, que poderiam ser disciplinas escolhidas pelos alunos, ou o ensino técnico.
Com a mudança, os alunos continuam a ter que cumprir 3.000 horas, mas a divisão muda. A formação geral básica passa a ter 2.400 horas e os itinerários formativos ficam com 600 horas.
A mudança também inclui o ensino técnico. As 3.000 horas foram divididas em 1.800 horas para a formação geral, 300 horas para os itinerários formativos e 900 horas para o curso técnico.
Disciplinas: no modelo atual as disciplinas obrigatórias para todos os anos do ensino médio são português, matemática, educação física, arte, sociologia e filosofia.
Com a nova mudança, a obrigatoriedade passa a ser para portugês, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (física, biologia e química) e ciências humanas (sociologia, filosofia, história e geografia). Ainda, o texto mandado pelo Senado adicionava o espanhol como disciplina obrigatória, o que foi vetado pelos deputados. Agora, a disciplina passa a ser facultativa.
Assim, as novas diretrizes buscam trazer de volta a obrigatoriedade de todas as disciplinas comuns e valorizar matérias que haviam sido reduzidas nas escolas, como história e geografia.
As mudanças também abrangem o ensino noturno, o ensino à distância e os vestibulares a partir de 2027.
Mudança sem diálogo
Por mais que o modelo atual seja considerado um fracasso pelos docentes, os profissionais ouvidos pela reportagem questionam as alterações sem diálogo promovidas pelo governo federal, a Câmara e o Senado.
O diretor de um colégio de Londrina, que pediu para não ser identificado, diz que o novo modelo erra em não debater ideias de maneira profunda com a sociedade e, principalmente, com os diretamente envolvidos.
"A carga horária dos itinerários muda, diminui para 600 ao longo do curso, bem menor em relação ao atual formato, mas e o debate, que é efetivamente importante para o estudante em sua perspectiva formadora integral?", questiona.
Sobre as alterações, o diretor ressalta que há pontos positivos, mas existem pontos muito mais complexos que não foram abordados.
"A manutenção dos componentes obrigatórios é o principal aspecto positivo, mas não basta só olhar o currículo. Minha maior crítica é à formação docente, é o entendimento da educação como direito integral. É entender que o ato de ensinar é se planejar", pontua.
A pedagoga e professora da rede estadual Débora Maria Proença também é desfavorável à rapidez que o projeto foi aprovado. "A discussão necessária não aconteceu de fato. [Foi] uma decisão sem um estudo mais profundo, como é necessário. O processo foi atropelado, deixando lacunas que exigem maior atenção, afinal, trata-se da escolarização de jovens e adolescentes do país", pondera.
Ela também pontua que as mudanças podem ser ainda mais perigosas para estudantes com condições financeiras menores. "Tem que se levar em consideração a realidade de cada estudante, a questão socio-econômica, pois não se tem, ainda, a garantia sobre a capacidade que as escolas terão de ofertar todas as opções [no estado do Paraná]", explana a profissional.
A reportagem procurou a Seed (Secretaria de Educação do Paraná) para responder sobre as mudanças que devem afetar a organização do ensino público paranaense. O órgão esclarece que "implementará as adequações necessárias a fim de garantir que todas as unidades escolares da rede estejam preparadas para oferecer um ensino de qualidade dentro das novas diretrizes, incluindo a capacitação dos professores para atuar no novo modelo de ensino médio".
Reformas e a evasão escolar
A superação do formato atual, implementado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, é vista como uma vitória pelo gestor do colégio pelos diversos problemas que trouxe ao ensino público brasileiro. "Não funciona. Existe um esvaziamento de conteúdos, currículos achatados, professores e estudantes tentando se localizar em grades de itinerários e componentes", explica o diretor.
De acordo com o Censo Escolar de 2023, o ensino médio foi a etapa com a maior taxa de evasão no ensino brasileiro, com 5,9%. O diretor ressalta que as reformas, seja a implementada em 2021 ou a que deve ser implementada em 2025, são reflexo desses dados.
"As mudanças estão diretamente relacionadas às altas taxas de evasão e de ausências de matrículas nesse nível de ensino, mas sem debate amplo não dá. Ouvir 'entidades' privadas para debater ou analisar as mudanças é continuar não escutando os educadores, é continuar ignorando o chão de escola", conclui.
Débora Proença também alerta que o Estado terá um papel crucial no sucesso ou fracasso do novo plano para corrigir os problemas educacionais.
"Se o Estado não tiver condições de implementar a infraestrutura necessária para esta reforma em todas as escolas públicas, a maioria delas não vai conseguir. As desigualdades serão cada vez maiores para a população periférica", encerra a pedagoga.
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