A venda de ingressos para os shows de Taylor Swift no Brasil tem mobilizado não somente os fãs da cantora estadunidense, mas também a polícia e os políticos do País. Isso porque os eventos evidenciaram uma prática que traz prejuízos para os consumidores há décadas: o cambismo.
O crime, que é descrito como a venda de ingressos para eventos fora da bilheteria oficial por um preço superior ao pago no bilhete, está previsto na Legislação Brasileira nos artigos 166 e 167 da Lei Geral do Esporte (Lei 14.587/2023).
No caso de shows, conforme explica Mauro Martins, advogado especialista em direito penal, o artigo 2 da Lei 1.521/51, que trata sobre crimes contra a economia popular, também pode ser aplicado.
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"Ainda não há uma legislação específica para shows, então as sanções para o cambismo nesse caso são aplicadas por analogia. As leis vigentes apontam que as penas para quem comete esse crime podem chegar a até quatro anos de reclusão, além de multa", aponta.
O advogado declara, ainda, que, quando constatada in loco, a prática pode levar o cambista a ser preso em flagrante. Nessa situação, as autoridades policiais podem ou não determinar o pagamento de fiança, que varia entre um e cem salários mínimos.
Na última segunda-feira (19), as vendas gerais dos ingressos no Allianz Parque, em São Paulo, foram marcadas pela presença da PCSP (Polícia Civil de São Paulo), de agentes do Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) e do deputado federal Celso Russomanno (Republicanos).
Durante a Operação Ingresso Limpo, 26 suspeitos de cometer cambismo na fila foram presos pela Polícia Civil. Os acusados foram encaminhados à Primeira Delegacia do Consumidor para prestar depoimento. Durante a prisão, os fãs aplaudiram os policiais.
Além dos detidos, foram apreendidos 19 cartões de crédito, uma máquina de cartão e um telefone celular que estava em posse do grupo suspeito. Segundo a PCSP, os indivíduos são investigados por "crime contra a economia popular".
PROBLEMAS NAS FILAS PRESENCIAIS E ON-LINE
Durante as vendas para The Eras Tour, especialmente nas bilheterias presenciais no Allianz Parque, em São Paulo, e no Estádio Nilton Santos (Engenhão), no Rio de Janeiro, foram registradas confusões e brigas entre fãs e cambistas.
A estudante Laura Zonta, que reuniu um grupo de fãs e acampou no Allianz Parque para comprar os ingressos nas vendas gerais, no dia 12 de junho, conta que presenciou a ação de cambistas enquanto estava na fila.
"Na fila presencial você vê muito cambismo. Dá para saber nitidamente quem são os cambistas, pois, à noite, a organização deles passa entregando marmita e, de manhã, entregam o café da manhã. No dia das vendas, deram envelopes com documentos, cartões e dinheiro para os cambistas que estavam na fila", aponta.
A produtora cultural Gabrielle Lamosa participou das vendas presenciais dos ingressos no Engenhão nos dias 9 e 12 de junho e relata ter presenciado diversas ocasiões envolvendo fãs e cambistas. A jovem conta, ainda, que conversou com alguns suspeitos e um chegou a confirmar a existência de um esquema junto à T4F, empresa responsável pela venda dos ingressos dos shows de Swift no Brasil.
"Essa é uma prática bem suja. Os fãs são prejudicados porque os cambistas conseguem comprar uma carga enorme de ingressos e, com isso, revendem por preços exorbitantes. Muitos ainda revendem o mesmo bilhete várias vezes, então, mesmo pagando caro, o fã não tem certeza se vai conseguir entrar no show", explica a produtora cultural.
Além da presença dos suspeitos em São Paulo, Zonta denuncia a conduta dos funcionários do estádio. "Na hora da compra, os cambistas que estavam na fila presencial passavam de caixa em caixa para fazer compras diferentes. Quando eu comprei meus ingressos tinha uma pessoa no fim da bilheteria para conferir os bilhetes, mas essa mesma pessoa não conferia os dos cambistas."
Antes de decidir participar da venda presencial, a estudante tentou comprar seus bilhetes de forma on-line na pré-venda do dia 9 de junho. "Eu estava com mais de dez dispositivos e a minha melhor senha foi 22.572 e eu achei que era boa. Porém, quando consegui entrar, já não tinha mais nenhum ingresso", conta.
T4F SE PRONUNCIOU
Diante das ações dos cambistas nas vendas presenciais e on-line, os fãs de Taylor Swift organizaram a campanha "Fãs Contra Cambistas". Na última semana, o termo chegou a ocupar as primeiras posições dos assuntos mais comentados no Brasil no Twitter.
A T4F foi alvo de acusações nas redes sociais. Alguns fãs, inclusive, apontaram a possibilidade de a organização estar envolvida no esquema de cambismo.
Mais de 10.000 ingressos pro show da Taylor Swift no Rio de Janeiro disponíveis em outras plataformas usadas por cambistas. Uma vergonha que os artistas permitam isso.
— Eleninhaaaaa (@cirujanagrafica) June 12, 2023
T4F TEM ESQUEMA COM CAMBISTA pic.twitter.com/0yN5n5sb5R
Eu e meus amigos estávamos entre os primeiros da fila, praticamente beijando a portaria e chegou na minha vez disseram que tinha esgotado Premium e a inferior e que só tinha pista comum e superior sendo que depois teve gente que comprou 🤡 T4F TEM ESQUEMA COM CAMBISTA pic.twitter.com/jTYclHaaDZ
— Pipia vai na THE ERAS TOUR 🪩 (@dreamedparrish) June 12, 2023
nao consegui o ingresso the eras tour
— marie| VAMPIRE JUNE 30TH🩸 (@aadoreyoum) June 13, 2023
motivo: nao sou cambista
T4F TEM ESQUEMA COM CAMBISTA
A equipe do Portal Bonde entrou em contato com a T4F por e-mail, mas não obteve resposta. No entanto, no último domingo (18), a empresa se pronunciou por meio de suas redes sociais ao divulgar as datas das vendas dos bilhetes dos shows extras de Taylor Swift no Brasil.
"Ressaltamos que não compactuamos com a ação dos cambistas em nenhum canal de venda e continuaremos empregando os nossos melhores esforços para combater essa prática, que é prejudicial a todos", apontou.
Na mesma nota, a T4F afirmou que realizou reuniões com órgãos públicos, como a Polícia Civil, a Polícia Militar e a Guarda Municipal das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro para zelar pela segurança dos fãs presentes nas bilheterias físicas.
Swifties, aqui algumas informações importantes para as etapas de vendas das datas extras da Taylor Swift | The Eras Tour, que começam a partir de amanhã, dia 19/06, às 10h00 com a pré-venda exclusiva para clientes C6 Bank Mastercard! pic.twitter.com/OPk0Vwzidw
— T4F (@t4f) June 18, 2023
FÃS TÊM DIREITOS
Conforme explica o professor e advogado especialista em direito do consumidor Anderson de Azevedo, o cambismo ofende os direitos dos consumidores ao explorar seu interesse em determinado evento, bem como ao enganá-los em relação aos valores praticados pelo fornecedor e dificultar o acesso justo à atividade cultural.
"Especificamente em relação ao Código de Defesa do Consumidor, o cambismo é considerado uma prática abusiva porque se constitui em um mecanismo de elevação injustificado do valor do serviço que está sendo disponibilizado e uma vantagem excessivamente onerosa em desfavor do consumidor, principalmente quando não lhe foi oportunizada a chance de aquisição dos ingressos presencialmente ou nas filas on line", aponta.
De acordo com o especialista, por terem sido lesados, os consumidores podem e devem denunciar o cambismo e buscar seus direitos.
"As denúncias devem ser feitas, porque, além das indenizações individuais dos fãs prejudicados, a prática também pode ser objeto de procedimentos administrativos sancionatórios e até mesmo de eventual ação coletiva, a ser promovida pelo próprio Procon ou pelo Ministério Público, o que pode levar a uma investigação mais profunda e, assim, à identificação da participação ou não da organização do evento nesse episódio."
Os direitos dos consumidores - e dos fãs, neste caso em específico -, assim como as sanções para os cambistas, podem se tornar ainda mais rigorosos. Isso porque, até o momento, dois PLs (Projetos de Lei), que ficaram conhecidos como "Lei Taylor Swift" foram protocolados por deputados federais.
O primeiro PL foi apresentado pela deputada Simone Marquetto (MDB-SP) e sugere que a venda de ingressos a preços superiores ao estipulado pelos organizadores passe a ser configurada como “crime contra a economia popular”. Segundo o texto, a pena será detenção de um a quatro anos, além de uma multa de cem vezes o valor do bilhete.
Já o segundo Projeto de Lei, que foi apresentado Pedro Aihara (Patriota-MG), propõe, além da criminalização do cambismo, a tipificação do crime de "cambismo digital". O texto aponta que as duas práticas teriam multas de mesmo valor como sanções, enquanto a detenção para o cambismo tradicional seria de seis meses a dois anos e, para o cambismo digital, de um a três anos.